Regra que separa usinas em leilão de energia é criticada por especialistas

Xisto Vieira Filho, da Abraget: governo poderia estabelecer apenas parâmetros técnicos essenciais para a disputa - Foto: Leo Pinheiro/Valor -
Portaria com diretrizes para certame de segurança energética poderia trazer mais competição sem separação de termelétricas, afirmam agentes
Por Fábio Couto - Do Rio
A separação entre usinas existentes e novos projetos no leilão de segurança energética previsto para o dia 27 de junho é uma das principais ressalvas feitas por especialistas ouvidos pelo Valor. A medida traria risco de menor competição. Os técnicos também apontam outra dificuldade: usinas existentes não podem contratar energia a partir de 2028. Foi essa limitação que vedou a entrada da EnevaCotação de Eneva no certame, uma vez que a empresa tem duas usinas com contratos até essa data.
Na quinta-feira (2), o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou no "Diário Oficial da União" uma portaria com as diretrizes do certame para contratar potência de termelétricas e hidrelétricas. Entretanto, técnicos do governo passaram a considerar a possibilidade de ajustar a portaria, segundo fonte oficial, o que deve ocorrer nesta semana. A mudança teria o objetivo de buscar maiores ganhos para o consumidor com gás e biocombustíveis.
A divisão do leilão entre usinas novas e existentes surpreendeu especialistas ouvidos pelo Valor. A portaria estabeleceu contratos de sete anos, com início de suprimento em setembro deste ano, julho de 2026 e julho de 2027, para térmicas existentes. Novas usinas a gás poderão disputar contratos com início de fornecimento em julho de 2028, julho de 2029 e julho de 2030, com prazo de 15 anos.
"Para ter mais concorrência faria mais sentido juntar as usinas no leilão"
- Adriano PiresO presidente da Associação Brasileira de Geradores Termelétricos (Abraget), Xisto Vieira Filho, avalia que o MME poderia estabelecer no edital apenas os parâmetros técnicos considerados essenciais para a disputa. Assim, usinas existentes que não atendessem às exigências do edital seriam obrigadas a passar por investimentos em "retrofit" para participar da licitação, disse. Segundo Vieira, em alguns casos, a construção de uma usina nova pode até ser mais barata do que a adaptação de térmicas mais antigas. "A competição resolve tudo. É preciso amadurecer o mercado."
Adriano Pires, sócio-fundador e diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), também não vê por que dividir as térmicas, mas acredita ser mais difícil a revisão desse ponto pelo governo. "Para o consumidor, a separação não faz diferença se é um elétron [eletricidade] existente ou novo. Para ter mais concorrência, faria sentido juntar as usinas", disse Pires.
Luiz Augusto Barroso, presidente da PSR Consultoria, disse que em geral, o conteúdo da portaria é positivo para o setor, que aguardava o leilão há mais de um ano, mas vê espaço para aprimoramentos no texto. "Acreditamos que é oportuno permitir a maior participação de projetos possível, para privilegiar a competitividade no certame, beneficiando o consumidor final", disse Barroso.
Um ponto mais fácil de ser alterado pelo governo, avalia Pires, é retirar a limitação para que usinas existentes participem da disputa. Foi isso que retirou as térmicas da EnevaCotação de Eneva do certame. Na quinta-feira (2), a empresa teve queda de 9,3% nas ações, com a exclusão das usinas Parnaíba 1 e Parnaíba 3. A portaria impede a entrada de usinas existentes com contratos de energia vigentes em 2025, 2026 e 2027. As usinas só estariam sem contratos de energia em 2028, mas as regras permitem apenas a negociação de novas usinas. "Se o objetivo é a segurança energética, não tem sentido deixar quase 800 MW de fora do leilão", salientou Pires.
Na mesma linha, os analistas Antonio Junqueira, Gisele Gushiken e Maria Resende, do BTG, afirmam que as regras favorecem nova capacidade em detrimento da existente. "Se o governo ajustar o texto, isso poderá ajudar as ações da EnevaCotação de Eneva", afirmam os analistas do BTG, que também é acionista da empresa de geração.
Outro ponto que gerou dúvidas é o critério para habilitação das usinas no leilão, que limita a entrada ao custo variável unitário (CVU) mais alto entre as térmicas previstas na programação do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) para janeiro. Em análise, Francisco Victer, pesquisador associado da FGV Energia, destaca que o CVU mais alto disponível é o da térmica a óleo Pecém 2, de R$ 2.636,99 por megawatt-hora (MWh) - não se trata da Porto do Pecém II, da EnevaCotação de Eneva, esta movida a carvão mineral.
Como usinas a óleo estão impedidas de participar do leilão de capacidade, o valor que será considerado é o da usina a gás com CVU mais alto é Nova Piratininga, com R$ 1.673,38 por megawatts-hora (MWh), apurou a reportagem. Já o preço-teto para cada produto estarão presentes no edital que será publicado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que será responsável pela realização do certame.
Xisto Vieira Filho, da Abraget, destacou também a ausência de térmicas a óleo do certame, uma vez que essas usinas entram rapidamente em operação caso sejam chamadas pelo ONS. Para ele, a portaria poderia estabelecer regras alinhadas a princípios da transição energética, como uso de biocombustíveis e conversão para gás natural. (Colaboraram Rafael Bitencourt, de Brasília, e Bianca Ribeiro, de São Paulo)
Valor
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/01/06/regra-que-separa-usinas-em-leilao-de-energia-e-criticada-por-especialistas.ghtml#