Volume de água nos reservatórios tem reduzido de forma acelerada nos últimos meses, mas governo assegura que não há risco de faltar energia elétrica
Por Fábio Couto
O nível de armazenamento das hidrelétricas do país tem apresentado quedas expressivas nos últimos meses devido à pior seca da série histórica, que considera os últimos 94 anos. O problema assola a maior parte do Brasil e cria apreensão para o risco de nova crise energética, similar a que ocorreu em 2021. Embora não seja considerado alarmante, o quadro pode se agravar caso não se confirme a perspectiva de chuvas fartas a partir do fim de novembro, quando começa o "período úmido".
Entre o segundo semestre de 2023 e a primeira metade deste ano, o país esteve sob efeito do fenômeno climático El Niño, responsável pelo aquecimento das águas do oceano Pacífico, que causa seca na maior parte do país e chuvas mais fortes no Sul. A partir de maio, segundo explicou Marcely Sondermann, meteorologista do Climatempo, o país entrou num período de neutralidade, com perspectiva de ficar sob um fraco efeito do La Niña, que causa resfriamento das águas do Pacífico, com chuvas mais intensas no Norte do país e seca no Sul.
"O Brasil tem sido influenciado nos últimos meses por grandes bloqueios atmosféricos, grandes massas de ar seco muito persistentes", disse Sondermann. Apesar do quadro, as autoridades energéticas asseguram que não há risco de faltar energia elétrica. "A afluência [vazão dos rios] abaixo da média vem sendo um ponto de atenção desde dezembro de 2023. Porém, cabe ressaltar que o Sistema Interligado Nacional (SIN) dispõe de recursos suficientes para atender as demandas de carga e potência da sociedade", disse o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) em comunicado na sexta-feira (6). Procurado, o Ministério de Minas e Energia (MME) não respondeu.
Ter mais segurança no sistema implica em mais custo"
- Adriano Correia
Em um boletim diário com dados prévios de operação do sistema, o IPDO, o ONS apontou na segunda-feira (9) que os reservatórios do submercado Sudeste/Centro-Oeste (SE/CO) recuaram 2,7 pontos percentuais nos últimos 30 dias, fechando o dia com 53,1%. O SE/CO é principal subsistema do país. Em 1º de dezembro de 2023, início do período de chuvas, os níveis no SE/CO eram de 63,93%. No Sul, o armazenamento caiu quase 6 pontos percentuais em 30 dias (ver quadro acima).
No início do mês, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) recomendou um conjunto de medidas operativas para "garantir a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético do SIN [Sistema Interligado Nacional]", segundo disse o MME em nota na semana passada.
Entre as medidas adotadas pelo CMSE, está o acionamento de térmicas a gás natural liquefeito (GNL) para atendimento ao horário de pico, o momento mais crítico para a operação do sistema e a utilização de critérios "menos restritivos" para a operação do sistema elétrico, como maior uso de eólicas e solares, cuja geração vinha sendo limitada pelo ONS desde o apagão ocorrido há pouco mais de um ano, em caráter preventivo.
A maior necessidade de acionar termelétricas para preservar a água dos reservatórios elevou as tarifas dos consumidores de energia elétrica para este mês com a bandeira tarifária vermelha 1 (chegou a ser nível 2, mas foi revista após constatação de erro de cálculo dos preços da energia).
O Brasil tem sido influenciado por persistentes massas de ar seco"
- Marcely Sondermann
Adriano Correia, sócio-líder de energia e serviços de utilidades públicas da PwC Brasil, avalia que o quadro atual traz como consequência uma grande volatilidade dos preços da energia e mudança no cenário de aceitação de risco, especialmente de crédito (que inclui a entrega da energia pela geradora). Ele salienta que o momento ainda é de incerteza, especialmente sobre a ocorrência de chuvas a partir de novembro, mas que parte do mercado trabalha com hidrologia mais favorável a partir daquele mês.
"Ter mais segurança no sistema implica mais custo. Não sei se já chegamos no momento em que ter custo é a melhor solução ou se devemos esperar o desfecho do ciclo da estiagem", disse Correia. Sondermann, do Climatempo, avalia que as chuvas podem chegar em outubro, perdurando até os primeiros meses do ano que vem.
Em coluna publicada no Valor na terça-feira (10), o consultor e ex-diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) Edvaldo Santana afirmou: "Como ao longo do tempo, a água chega aos reservatórios em volumes notadamente menores, a média de longo prazo adotada na operação do sistema está superestimada, pois atribui para 2024 quase o mesmo peso da série [histórica] entre 1931 e 1981, quando não existiam ou não eram severos os efeitos do aquecimento global."