Revolução gerada pelas baterias está longe de terminar
Desafio dos cientistas agora é conseguir aumentar a sua densidade energética, que ainda é inferior às do etanol, da gasolina e do óleo diesel
Por Eduardo Geraque - Para o Valor, de São Paulo
A revolução química imposta pelas baterias de íons de lítio, em tempos de mudanças climáticas globais, onde os combustíveis fósseis estão cada vez mais na berlinda, rendeu a um trio de cientistas o prêmio Nobel de Química em 2019. O americano John B. Goodenough, o britânico-americano Stanley Whittingham e o japonês Akira Yoshino foram laureados às vésperas da pandemia por uma descoberta acadêmica registrada há mais de 50 anos, no início dos anos 1970.
Após nascer na ciência básica e ser desenvolvida por anos até chegar a um produto final, as na época desconhecidas baterias passaram, nos anos 1990, a equipar celulares, notebooks e, mais recentemente, os carros elétricos. A evolução de tais dispositivos correu rápido nos últimos anos.
Se em 1991 as baterias de íons de lítio vendidas pela Sony apresentavam uma densidade energética por volta de 80 Wh/kg, hoje, as usadas nos carros elétricos comerciais variam de 175 Wh/kg (BYD) a 200 Wh/Kg (Tesla). Apesar de toda a evolução, é uma fonte energética que ainda fica atrás dos combustíveis líquidos, tanto os renováveis, como o etanol, quanto os derivados de petróleo, caso da gasolina e do óleo diesel.
"As baterias de íon-lítio estão dominando o mercado porque a eficiência energética delas - ou seja, a diferença entre quanto se retira de energia da rede e se coloca no carro com quanto de energia a bateria devolve para o deslocamento do veículo - é absurdamente alta. Estamos falando de 95% a 98%", afirma o engenheiro químico Gustavo Doubek, professor da Universidade Estadual de Campinas.
De acordo com o especialista, é importante contextualizar que, apesar da eficiência energética dos combustíveis líquidos ser bem menor, por volta de 25%, eles ainda entregam mais densidade energética, na ordem de cem vezes mais. "É por causa da questão das massas. Se em um tanque de combustível você tem 50 kg, as baterias no carro elétrico equivalem a 400 kg", afirma o pesquisador da Unicamp.
Em todos os centros de pesquisa de ponta do mundo, como é o caso do Centro de Inovação em Novas Energias da Unicamp, já é dado como consolidado que as baterias de íon-lítio são tanto o presente quanto o futuro. O que não significa que o estado da arte das pesquisas tanto básicas quanto de inovação tenham batido no teto.
"As baterias de íon-lítio, soluções excepcionais de armazenamento de energia recarregável, passam por um rápido aumento na sua gama de utilização por causa da notável densidade de energia, de potência e de vida útil prolongada que elas têm", escreve Nizam Uddin Khan no artigo científico "Maximizing energy density of lithium-ion batteries for electric vehicles: A critical review", publicado há um ano no periódico científico "Energy Reports".
O cientista radicado na Austrália, que assina a pesquisa ao lado de outros colegas, discute como está posto o desenvolvimento das baterias de íon-lítio, principalmente levando em consideração os objetivos de aumentar o nível de autonomia dos veículos e a diminuição do tamanho dos dispositivos embarcados nos carros. Para os cientistas, existe uma relação clara: a alta densidade de energia não só aumentará a autonomia, mas também reduzirá o número de células que serão necessárias para fornecer a mesma quantidade de energia, reduzindo assim o tamanho da bateria e, também, mexendo com os custos dos carros elétricos.
"Essa questão da densidade é o Santo Graal do setor atualmente. Todo o mundo quer uma bateria que seja mais leve e que tenha a mesma densidade energética. Esse é o campo superexplorado hoje", afirma Doubek. Para o pesquisador da Unicamp, enquanto a química fundamental embarcada nas baterias não mudou de modo significativo na última década, apesar de alguns ajustes ao longo do processo, a maneira de montar as baterias, envolvendo o design dos dispositivos, teve mudanças relevantes. E é nesse campo que as evoluções tecnológicas tendem a ocorrer.
"Neste intervalo, houve um aumento de quase 80% na densidade energética das baterias, mas principalmente por causa do design usado na montagem. "Existe toda uma engenharia para que o empacotamento das baterias seja feito. A lógica é relativamente simples: como você reduz a embalagem para conseguir, no mesmo espaço, colocar mais produto? E, claro, sem comprometer o quesito segurança", pondera o cientista da Unicamp.
As baterias de íon-lítio passam por um rápido aumento na sua gama de utilização"
Nizam Uddin KhanPerguntas elementares, como a do professor Doubek, também são feitas nas bancadas dos laboratórios, na ciência básica. E vão demorar talvez décadas para maturar. Em paralelo a todo processo em curso nas universidades e institutos de pesquisa, do lado corporativo, o desenvolvimento dos carros elétricos mundo afora está turbinando outros ciclos de inovação, por causa das competições acaloradas no setor, entre as principais montadoras do mundo.
Números da Agência Internacional de Energia (AIE) atestam que, em 2023, a capacidade instalada de fabricação de células de baterias cresceu mais de 45% tanto na China quanto nos Estados Unidos em relação a 2022, e quase 25% na Europa. Se as tendências atuais continuarem, apoiadas por políticas como a Inflation Reduction Act (IRA) dos EUA, a capacidade americana superará a da Europa até o final de 2024 pelas projeções da agência.
Mas tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, os anúncios de expansão adicional de produção partem de empresas estrangeiras sediadas na Ásia. Relatórios da AIE mostram que mais de 350 GWh em capacidade de fabricação de empresas sul-coreanas estão fora da Coreia, enquanto empresas japonesas contribuem com 57 GWh fora do Japão e empresas chinesas têm pouco menos de 30 GWh fora da China.
Do ponto de vista dos tipos de baterias feitas em grandes escalas, a LFP (fosfato de ferro-lítio) é a química mais prevalente no mercado de carros elétricos da China, enquanto as baterias NMC (níquel-manganês-cobalto) são mais comuns nos mercados europeu e americano. "As NMC, usadas pela Tesla, conseguem ter 30% mais de energia do que a LFP, embarcada principalmente nos carros da BYD", explica o cientista da Unicamp.
Mas, por causa da inovação obtida pelos chineses da BYD em termos de empacotamento das baterias, a diferença de eficiência entre ambos os modelos caiu bastante. "Inclusive em relação ao volume, que é outra medida que importa quando falamos de carros elétricos", afirma Doubek. Cada vez mais, além da química e da engenharia, as inovações serão balizadas pelos mercados, onde preço e tecnologia serão decisivas para os próximos saltos tecnológicos, segundo os cientistas.
Valor
https://valor.globo.com/brasil/climate-impact-summit/noticia/2024/09/30/revolucao-gerada-pelas-baterias-esta-longe-de-terminar.ghtml