Leilões de energia podem movimentar até R$ 57 bi em 2025

Thiago Prado: "Judicialização do leilão evidencia o que, na economia, é conhecido como 'tragédia dos comuns'" - Foto: Wenderson Araujo/Valor -
Previsão inclui aportes em geração e transmissão, mas especialistas veem risco de atraso diante da complexidade e do pouco tempo para preparação
Por Robson Rodrigues e Ma Leri - De São Paulo
Os leilões de energia elétrica previstos para 2025 devem movimentar entre R$ 47 bilhões e R$ 57 bilhões em investimentos no Brasil, segundo levantamento feito pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), a pedido do Valor. O montante inclui aportes de R$ 45 bilhões a R$ 50 bilhões em geração e mais R$ 7,6 bilhões em transmissão de energia.
As grandes companhias do setor já se articulam para garantir participação nas disputas. Entre as empresas confirmadas, estão EletrobrasCotação de Eletrobras, Eneva, Petrobras, Âmbar (do grupo J&F), CPFL, CTG, Spic, Auren, Copel, entre outras.
E os fabricantes de equipamentos, essenciais para viabilizar os projetos, correm contra o tempo. Empresas como WEG, Voith, GE e Hitachi se antecipam diante da expectativa de aumento expressivo na demanda por turbinas, transformadores, sistemas de controle e equipamentos para armazenamento.
O estudo da EPE considerou os principais certames para o ano: o de segurança energética (Leilão de Reserva de Capacidade - LRCAP); o de sistemas de armazenamento; o de transmissão; o A-5 (modalidade em que os projetos iniciam o fornecimento de energia em cinco anos); e o leilão para atendimento de áreas ainda isoladas - regiões fora do Sistema Interligado Nacional (SIN).
Os cálculos da EPE se basearam nos estudos do Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE 2024), levando em conta a expansão indicativa da capacidade de geração e transmissão e custos médios por fonte. Os valores finais, no entanto, podem variar conforme alguns fatores de mercado, a estratégia dos agentes e o comportamento das distribuidoras, que têm papel central na definição da demanda.
"O montante, que varia entre R$ 45 bilhões e R$ 50 bilhões, envolve os investimentos diretos pelas empresas geradoras e transmissoras", explica o presidente da EPE, Thiago Prado, responsável pelo estudo.
Prado frisa que há um esforço do governo para que os eventos ocorram ainda neste ano, já que o processo para realização dura, em média, seis meses a partir da publicação da portaria. Por isso, ele prevê concentração no último bimestre. Apesar do otimismo, há receio entre agentes do setor de que nem todos os certames consigam ser concluídos em 2025. Os leilões de reserva de capacidade e de transmissão têm maiores chances de ocorrer no prazo, já outras disputas, como o leilão de armazenamento e o A-5, podem ser adiados para 2026.
Mais emergencial, o leilão de Reserva de Capacidade (segurança energética) deveria ter ocorrido em meados de 2024, mas ficou para 2025, em meio a intensos lobbies de diferentes setores. A disputa de interesses desencadeou uma guerra de liminares, o que obrigou o governo a cancelar o certame como estratégia jurídica para conter a crescente insegurança regulatória. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, garante que a nova data será em 2025.
Segundo Prado, o episódio evidencia o que, na economia, é conhecido como "tragédia dos comuns" - situação em que agentes, ao agirem para maximizar seus próprios benefícios, comprometem o interesse coletivo. "Ao buscar um desenho que favorecesse seus projetos, os empreendedores contribuíram para a judicialização do processo, o que acabou inviabilizando um leilão fundamental para a segurança energética do país."
Hoje, o Brasil enfrenta uma necessidade cada vez maior de garantir potência suficiente para atender o pico de consumo de energia, que acontece principalmente entre 18h e 21h nos dias úteis. Nesse horário, a geração solar cai drasticamente com o pôr do sol e o sistema precisa acionar termelétricas e hidrelétricas para suprir a demanda.
"O Ministério de Minas e Energia (MME) terá que ser habilidoso para conduzir um processo que seja, ao mesmo tempo, ágil e com segurança jurídica. As diferentes ações judiciais movidas contra o certame anterior - especialmente sobre o Fator A [fórmula destinada a estimular a contratação de menor custo para o consumidor] e a alteração do teto do Custo Variável Unitário (CVU) - evidenciam a necessidade de explicações técnicas mais claras e de um debate regulatório mais aprofundado", diz Felipe Furcolin, sócio do escritório Furcolin Mitidieri Advogados.
Neste caso, a demora na realização do certame expôs as dificuldades de coordenação entre governo, mercado e setor produtivo diante da crescente urgência por contratação de potência firme no país.
A Voith Hydro, por exemplo, fez o planejamento de capacidade de produção local para atender aos prazos considerando que o evento ocorreria em 2024. O vice-presidente da Siemens Energy para América Latina, André Clark, classificou como "uma lástima" o cancelamento, dado o contexto de elevada demanda de equipamentos para geração termelétrica.
"É triste para a imagem do Brasil [o cancelamento do leilão]. O mundo está competindo por equipamentos e investimentos. Empresas se prepararam, fizeram estudos e gastaram milhões, e, em cima da hora, o Brasil faz esse tipo de alteração. Se ocorrer logo, o estrago é menor, porque os empreendedores mais sérios já têm os planos de negócio definidos e acordos com provedores de equipamentos. Se demorar muito, eles vão perder o lugar na fila", diz Clark.
Para o leilão de transmissão, a estimativa de investimento é de R$ 7,6 bilhões. O certame se destina à construção de quase 1.200 quilômetros em linhas de transmissão novas e seccionamentos e de 4.400 MW em capacidade de transformação. Dos onze lotes previstos, três têm investimento superior a R$ 1 bilhão.
Empresas como EletrobrasCotação de Eletrobras, Alupar, Taesa, entre outras, são esperadas. Não é certo que a Isa Energia esteja no evento, já que a empresa está comprometida com projetos que somam mais de R$ 13 bilhões até 2029.
Os certames são marcados pela previsibilidade, fortes deságios e ampla concorrência, e os vencedores garantem um contrato de 30 anos indexados ao IPCA. Ao Valor, o diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), Sandoval Feitosa, diz que a agência desenvolveu expertise na organização de leilões setoriais para a contratação de serviços de geração de energia e de novas concessões de transmissão de energia elétrica.
"Desde a criação da Aneel foram promovidos 58 leilões de transmissão. Foram contratadas 393 novas concessões que acrescentaram mais de 120 mil quilômetros de novas linhas de transmissão, com investimentos estimados em R$ 396 bilhões. O ambiente dos leilões promovidos pela Aneel propiciou, deságio médio de 28,4% nos certames", disse.
É triste para a imagem do Brasil o cancelamento do leilão. O mundo está competindo por equipamentos"- André Clark
O receio para esse negócio é de atrasos ou não cumprimento dos cronogramas. Caso isso aconteça, a Aneel pode recomendar a caducidade de contratos por não cumprimento dos prazos para implantação dos projetos.
No caso do leilão de sistemas de armazenamento, o presidente da Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (Absae), Markus Vlasits, afirma que um certame de pequeno porte ou com caráter experimental não atenderia às necessidades do setor. A entidade defende que o ministério contrate entre 2 gigawatts (GW) e 3 GW em sistemas de armazenamento para impulsionar o mercado nacional.
Dificilmente o desejo do dirigente será atendido, já que a proposta do governo é justamente testar essa tecnologia. Furcolin lembra que o MME justificou a exclusão de sistemas de armazenamento no leilão de Reserva de Capacidade com base na "imaturidade institucional do tema", já que o setor ainda aguarda o MME fechar a consulta pública para dar andamento nos ritos do certame.
O CEO da Micropower, Sergio Jacobsen, lembra que mais da metade da matriz elétrica não pode ser controlada (despachável) e o excesso de energia em alguns momentos do dia é desperdiçada. "Não temos um controle [das fontes intermitentes, como eólica e solar] e isso já está começando a ter reflexos importantes, que são as restrições de geração."
Nesse contexto, as baterias aparecem como uma solução técnica, já que essa energia pode ser armazenada para ser utilizada em momentos de maior demanda. "O restante do mundo já utiliza essa tecnologia para o controle das fontes renováveis. Não se trata mais de uma fase experimental, mas de uma tecnologia comercial consolidada", defende.
O CEO explicita preocupação com o possível adiamento do leilão, já que isso pode comprometer o cronograma de entrada em operação dos projetos. "Isso impacta o planejamento e limita a capacidade de resposta do setor", afirma. Ele também alertou para o risco de o leilão ser pequeno demais, o que poderia reduzir seu impacto.
No caso do leilão A-5 (que prevê o início do fornecimento de energia em cinco anos), o governo abre espaço para a contratação de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). No entanto, há incerteza quanto à demanda das distribuidoras, que enfrentam um excedente de energia contratada, reflexo do avanço da geração distribuída - modelo em que os próprios consumidores produzem sua energia - e da expansão do mercado livre, em que o consumidor escolhe seu fornecedor de energia.
O setor ainda lida com entraves como a dificuldade na obtenção de licenças ambientais e desafios de infraestrutura para escoar a energia gerada em regiões remotas. Para Prado, da EPE, o leilão A-5 representa uma oportunidade para as concessionárias reestruturarem suas carteiras contratuais, substituindo contratos com termelétricas por fontes renováveis, que têm custo mais competitivo. Isso significa retirar contratos mais pesados das distribuidoras e pulverizar para todos os usuários da rede.
"A ideia é que as distribuidoras tenham em suas carteiras fontes renováveis de energia, que são mais baratas, e que a gente transfira o portfólio termelétrico, que traz segurança para a rede, para um ambiente de reserva de capacidade", diz o dirigente da EPE.
A presidente da Associação Brasileira de PCHs (Abrapch), Alessandra Torres, explica que essa sobreoferta ocorre principalmente por excesso de energia solar, mas lembra que essa energia desaparece no fim da tarde, exatamente quando há picos de demanda. Nesse momento, as hidrelétricas são acionadas para fazer a "rampagem", ou seja, para suprir rapidamente o sistema.
"Hoje, há um excedente de energia, especialmente solar. Mas, no fim da tarde, por volta das 17h, essa geração cai a praticamente zero. Nesse momento, as hidrelétricas suprem a demanda - um movimento conhecido como 'rampa'. Por isso, embora tenhamos uma sobreoferta de energia solar, ela é intermitente e precisa de um sistema de apoio. E a bateria natural dessas fontes é a água: são as hidrelétricas dão estabilidade", explica.
Cerca de 3 GW de projetos de PCHs foram cadastrados para o leilão A-5. A dirigente cobra a participação governamental na criação de um plano de governo que atenda as demandas do setor.
Já no leilão para soluções de suprimento, para assegurar o atendimento aos mercados consumidores dos sistemas isolados, Prado destaca o ineditismo do governo em promover a participação de fontes renováveis. Está previsto um percentual mínimo de 22% da geração de energia total com o de projetos híbridos que envolvam o uso de sistemas de armazenamento energia solar e diesel.
Até então essas regiões eram prioritariamente supridas por óleo diesel e gás natural. Os mercados consumidores correspondem a onze localidades, das quais dez estão em municípios do Amazonas e uma no Pará. A população atendida alcança 169 mil pessoas.
Valor
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2025/04/22/leiloes-de-energia-podem-movimentar-ate-r-57-bi-em-2025.ghtml