Izabella Teixeira quer 'transição da Terra' como marca da COP30

Izabella Teixeira: "Segurança climática vai além da proteção ambiental e também é proteção social e econômica" - Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Na visão da ex-ministra, o Brasil deve aproveitar a conferência para fazer da natureza um ator político e discutir ativos ambientais
Por Daniela Chiaretti - De São Paulo
A ex-ministra de Meio Ambiente Izabella Teixeira acredita que a COP30 no Brasil deve ter uma identidade - e essa marca, sugere, é a de começar a discutir "land transition". Negociadora do Acordo de Paris e copresidente do Painel de Recursos Naturais da ONU, defende que, assim como o mundo passou os últimos 30 anos discutindo o que é transição energética, está na hora de começar a discutir transição da terra. "A floresta, além de ser um bem ambiental, é um bem climático", diz. "Quanto custa combater o crime organizado na Amazônia? Precisamos discutir: é uma solução climática.
A ideia de Izabella Teixeira é fazer com que o Brasil provoque, na COP30, uma nova discussão global. "Transição da terra não é só desmatamento", diz. Essa estreiteza do conceito tornou o Brasil, e outros países detentores de recursos naturais, reféns de evitar apenas um passivo ambiental. "O Brasil é o país que mais produz vida no planeta. Temos que falar de ativos ambientais, não só de passivos."
Sua proposta é que este novo guarda-chuva, da transição da terra, inclua o debate sobre novos modelos de agricultura, da produção de defensivos agrícolas, da nova mineração. A construção do conceito daria nova posição política aos países do Sul, megadiversos, e evitaria um novo colonialismo, desta vez, debruçado sobre a natureza. O tema, acredita, é aderente à proposta da presidência da COP30, de criar uma importante agenda de ação, com soluções a curto prazo e que façam frente à emergência climática. "Acho que nunca teve uma COP onde o setor privado será tão demandado", aposta. A seguir trechos da exclusiva que ela concedeu ao Valor:
Todos querem vir
Nesse momento de muita incerteza global e guerras, para aqueles alinhados com o tema, a questão climática tem peso. E a percepção internacional é que não poderia ter melhor lugar para acontecer uma COP de clima do que no Brasil. O mundo quer vir ao Brasil. Os que olham para a questão climática entendem a importância dessa COP no Brasil e que remete à preservação da arquitetura política da agenda, que é o Acordo de Paris.
1,5°C em xeque
Dez anos do Acordo de Paris é um momento-chave para a agenda climática. Já se negociaram todas as regras, estamos experimentando o rompimento da barreira do aumento da temperatura em 1,5°C, a mudança climática está acontecendo. Além da transformação geopolítica, estamos lidando com a mudança da natureza.
Dois trilhos
A COP30 não sugere uma complexidade diplomática nas negociações. O presidente da COP30, embaixador André Corrêa do Lago, tomou a decisão de colocar a conferência em dois trilhos -o da negociação, dedicada aos governos, e o da agenda de ação, onde estão todos os atores que não são os governos centrais. Terá que se construir um caminho para implementar ações de curto prazo. Será uma nova agenda, fruto de um olhar dos países com o setor privado-financeiro e com a sociedade. Nunca teve uma COP onde o setor privado será tão demandado.
Questão de governança
Nesta decisão há um problema de governança climática, por isso a reforma da UNFCCC (a ONU Clima), para que esteja preparada a lidar com a agenda de ação. Como é que se irá avançar nessas outras decisões que não saem das negociações? Trata-se da agenda política da COP. O Brasil também deve oferecer propostas de debate sobre como o mundo pode transitar longe dos combustíveis fósseis e para o caminho ao US$ 1,3 trilhão.
O tema climático não é mais debatido só dentro da UNFCCC - o Brics, o G20, o G7 tratam disso. Quando se discute financiamento climático hoje, não se está discutindo só o US$ 1,3 trilhão dentro da Convenção de Clima. É um tema global que não se circunscreve somente a estes limites.
Transição energética
Como a COP30 torna essa agenda passível de ser implementada de maneira mais célere e convergente aos extremos climáticos? A segurança climática vai além da proteção ambiental: também é proteção social e econômica.
Hoje nunca se investiu tanto em renováveis, mas nunca se investiu tanto em petróleo. Tudo isso está colocado dentro da transição energética. Estou sugerindo que, da mesma forma que existe a transição energética, a "energy transition", temos que ter a transição da terra, a "land transition".
Transição da terra
Será um ativo global se a COP30 conseguir fazer com que o mundo discuta a transição da terra. Não podemos discutir desmatamento zero dissociado de uma nova agricultura. Não podemos falar de nova agricultura sem entender o papel dos minerais estratégicos ou achar que vamos discutir bioeconomia dissociada de infraestrutura. Não pode ser uma nova narrativa sobre pecuária dissociada do uso da terra, do uso dos recursos naturais, da capacidade do planeta de produzir vida. Não se pode discutir agricultura por agricultura, reflorestamento por reflorestamento. Tem que estar dentro de um guarda-chuva amplo.
Os países do Sul são ricos em recursos naturais. Precisamos conectar natureza com clima e conectar a transição energética com a transição da terra. É agenda que tem que ser construída. Isso pode dar aos países do Sul novos espaços na questão climática.
Não a um novo colonialismo
A transição energética surge na própria Convenção do Clima, porque o problema do clima é causado pelos combustíveis fósseis e os países desenvolvidos eram grandes emissores. Então, para solucionar o problema do clima, tem que se sair do modelo de combustíveis fósseis e ir para o modelo de renováveis. Mas ninguém fala de land transition, a única agenda ligada a isso era a do desmatamento. Mas a floresta, além de ser um bem ambiental, é um bem climático.
O foco nesses 30 anos sempre foi sobre os países desenvolvidos. E agora, 30 COPs depois, continuam falando de desmatamento e estão querendo trazer a discussão de agricultura, da rastreabilidade da pecuária, e tudo bem. E nós trazemos a discussão da bioeconomia, das soluções baseadas na natureza. Só que precisamos colocar tudo isso sob um amplo guarda-chuva. No caso dos detentores de recursos naturais, não podemos ter um novo colonialismo. Temos que ter mitigação e adaptação para lidar com a transição da terra.
Uma marca para a COP30
Queremos ter melhor eficiência de uso da terra, produzir com sentido social. A nova mineração é eletrificada, tem tecnologia de inovação. Para mim, o mote dessa COP é o Brasil ter a ousadia de propor um debate global sobre "land transition". O Brasil tem que ter uma marca para a COP30. Precisamos de uma identidade. E para mim, trata-se de fazer o mundo entender que temos que discutir a transição da terra. Isso dará outros envergadura para atores políticos. A nova economia vem com a perspectiva da natureza.
Natureza é ator político
Todos falam do metano, mas não se fala da absorção da natureza ou das técnicas agrícolas. A natureza é um ator político, não está dissociada da discussão climática. Temos que ter "land transition" como parte dessa equação e colocar outros adultos na sala. Não dá mais para polarizar ambientalista com produtor rural. Temos que discutir como o Brasil fará a transição da terra deixando para trás o modelo do desmatamento e trabalhando cadeias produtivas.
Todas as soluções climáticas passam por inovação, são intensivas em energia e demandam recursos naturais de maneira sem precedentes. Temos que dizer que nossa agricultura é competitiva porque consegue preservar 20% ou 80% de reserva legal. Nossa agricultura tem capital natural como parte de sua estrutura econômica.
Uma floresta, como a Amazônia, é um bem ambiental e um bem climático. Precisamos conceituar bem climático. Essa agenda o Brasil precisa pautar. Quanto custa combater o crime organizado na Amazônia? Isso é uma solução climática. Assim, os países detentores de natureza terão papel político tão importante quanto os da energy transition. O Brasil é o país que mais produz vida no planeta. Temos que falar de ativos ambientais, não só de passivos.
Valor
https://valor.globo.com/brasil/noticia/2025/05/07/izabella-teixeira-quer-transicao-da-terra-como-marca-da-cop30.ghtml