Leilão de baterias fica refém de acordo entre térmicas, que têm apoio de Silveira

Usina Solar em Várzea, na Paraíba - Zanone Fraissat/Folhapress -
Governo vai contratar nova tecnologia só após certame dedicado às termelétricas, cancelado em abril devido a brigas entre principais empresas
Pedro Lovisi
Alexa Salomão
O leilão de baterias anunciado pelo governo federal no ano passado só vai acontecer depois que o certame dedicado à contratação de termelétricas tiver data marcada, ainda que as duas tecnologias não sejam dependentes uma da outra. A decisão foi adiantada à Folha por um integrante do governo.
A decisão é política -o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, tem aliados no setor de gás natural, que temem perda de espaço com a chegada do armazenamento de energia à rede elétrica do país.
O contexto joga mais um balde de água fria no setor de baterias, que espera o leilão desde o início do ano passado, quando Silveira anunciou que o governo incluiria a tecnologia no leilão de reserva de capacidade até então programado para 2024. As baterias são consideradas por especialistas e integrantes do governo como essenciais para o equilíbrio do sistema elétrico, hoje com concentração de fontes intermitentes, como solar e eólica.
Neste ano, o governo dividiu o leilão de reserva de capacidade em três: térmicas, hidrelétricas e baterias. O primeiro aconteceria no final de junho, mas disputas judiciais fizeram o governo cancelá-lo.
Basicamente, a confusão foi provocada por uma queda de braço entre representantes de duas fontes de energia, gás natural e biodiesel, tendo na linha de frente dois gigantes. Na ponta do gás, uma das empresas mais interessadas no certame é a Eneva, cujo principal acionista é o Banco BTG, de André Esteves. Do lado do biodiesel está o agronegócio, com participação da Raízen, do empresário Rubens Ometto.
Na essência, o leilão de reserva foi criado para contratar térmicas que possam ser ligadas e desligadas rapidamente, ao menor preço. No meio do processo de organização do certame, o MME incluiu uma nova regra, criado vantagem adicional para quem fosse mais ágil nesse liga e desliga -uma vantagem para usinas a biodiesel, que têm essa característica técnicas. A regra foi questionada na Justiça pela Eneva.
Ao mesmo tempo, as térmicas a biocombustíveis também foram par a Justiça e conseguiram outra vantagem: derrubar o limite de CVU (Custo Variável Unitário) previsto no certame. Térmicas a biodiesel tendem a custar mais que as movidas a gás e, sem esse teto, melhoravam ainda mais as suas chances de vitória.
O biodiesel sequer havia sido discutido na consulta pública, e esse climão criado por sua entrada ligou a luz vermelha até entre entidades do setor. Houve pressão para que a pasta fosse mais cautelosa no uso do produto, sob o argumento de que não existe oferta firme do biocombustível e há poucos equipamentos no país para atestar a sua autenticidade. Falou-se que, do jeito que está o mercado, havia inclusive risco de falsificação: uso de diesel fóssil no lugar do produto mais sustentável, com o consumidor pagando caro para elevar emissões.
O MME busca agora um meio-termo para o uso do dois produtos e a solução pode ser criar um certame separado para o biodiesel. O leilão segue sem data, mas especialistas afirmam que ele precisa ser realizado ainda neste ano.
A disputa respingou no setor de baterias. Isso porque o certame de sistemas de armazenamento ainda não tinha data marcada quando o governo federal cancelou a contratação de termelétricas. Agora, sem previsão de qual será a nova data a ser divulgada pelo MME, as fabricantes de baterias estão de braços cruzados, sem saber quando surgirá demanda por seus equipamentos no mercado regulado.
"As duas tecnologias não se conversam, então não há lógica técnica e nem política de fazer esse sequenciamento. No final das contas, o que esse governo precisa resolver é o problema do déficit de potência, e sabemos que várias tecnologias conseguem resolver isso", diz Markus Vlasits, presidente da Absae (Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia).
"Na medida que a gente observa a postergação do leilão de térmicas e a postergação dos demais leilões, a gente vai aumentando esse problema que o Brasil está enfrentando", acrescenta. Os leilões de reserva de capacidade visam aumentar a segurança do sistema elétrico do país e garantir a entrega de energia mesmo em períodos de escassez elétrica.
Os sistemas de armazenamento de energia (chamados de BESS, no setor) são uma solução para o excesso de geração de energia solar e eólica em alguns períodos do dia e para a falta de geração em outros. Em países que já contam com essas instalações, usinas solares e eólicas carregam as baterias em momento de excesso e descarregam quando há falta.
Em tese, esses sistemas substituem térmicas acionadas para compensar a perda de geração de energia em momentos de pico, como no início da noite -em períodos de seca, essa compensação é ainda mais importante, devido ao menor acionamento de hidrelétricas.
Por ora, é provável que a demanda do leilão de baterias seja próxima a 1 GW (gigawatt) de potência, bem menor do que os atuais 16,7 GW de capacidade instalada do parque termelétrico do país. Mas o setor de termelétricas teme o efeito da injeção de baterias no sistema no longo prazo. A Bnef, braço de pesquisas sobre transição energética da Bloomberg, por exemplo, estima que de 2029 a 2034, o Brasil acrescentará, por ano, mais de 1 GW de baterias em sua rede elétrica.
As escolhas políticas do governo, no entanto, podem adiar o cenário. Em mais um sinal de que o leilão de baterias ficará em segundo plano na programação do governo, o Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico, formado por órgãos públicos do setor elétrico, recomendou neste mês a antecipação da contratação de térmicas vencedoras do leilão de reserva de capacidade de 2021.
Essas usinas entraram em operação apenas em julho do ano que vem, mas uma eventual seca no segundo semestre preocupou o governo. Agora, com a contratação de térmicas garantidas ao menos em 2025, o setor de baterias teme que o leilão de reserva de capacidade dedicado a essas usinas fique só para o ano que vem -e o de baterias, sabe lá quando.
Em outra frente do problema para o setor, o mandato do diretor da Aneel que estava responsável pela regulamentação das baterias na rede, Ricardo Tili, se encerrou no último dia 20, sem que ele tenha apresentado um trabalho final. Agora, o tema será delegado a um novo diretor após sorteio.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/05/leilao-de-baterias-fica-refem-de-acordo-entre-termicas-que-tem-apoio-de-silveira.shtml