Antes uma aposta, baterias para redes elétricas estão em toda parte

Funcionários inspecionam unidades de baterias de armazenamento no projeto solar pertencente à AES, uma empresa da Virgínia que possui concessionárias e usinas de energia ao redor do mundo, perto de Antofagasta, Chile, em 19 de outubro de 2025. - RUTH FREMSON/NYT
- Feitas de íon-lítio, elas são utilizadas em cada vez mais redes elétricas em todo o mundo
- Inovação ajuda a reduzir a necessidade de usinas e linhas de transmissão caras
Ivan Penn
As baterias de íon-lítio, que alimentam desde celulares até carros, estão salvando cada vez mais redes elétricas em todo o mundo.
Baterias do tamanho de contêineres de carga estão sendo conectadas a linhas de energia e instaladas ao lado de painéis solares e turbinas eólicas. Elas armazenam energia quando ela é abundante e barata e a liberam quando o consumo de eletricidade dispara, ajudando a reduzir a necessidade de usinas e linhas de transmissão caras.
Pesquisadores americanos inventaram a bateria de íon-lítio na década de 1970 e depois mostraram que esses dispositivos poderiam ajudar a rede elétrica. Mas, por muito tempo, as baterias avançaram pouco porque operadores de redes e executivos de concessionárias as viam como caras e arriscadas.
Um dos primeiros avanços ocorreu há cerca de 15 anos, quando engenheiros de uma empresa de energia dos EUA instalaram uma das primeiras baterias de íon-lítio conectadas a uma rede elétrica em um deserto a quase 2.700 metros de altitude no Chile. Desafiando noções convencionais de como o sistema elétrico deveria funcionar, essa equipe ajudou a provar que as baterias poderiam tornar as redes mais estáveis e confiáveis.
A ideia de armazenar energia não era nova. Thomas Edison desenvolveu baterias alcalinas de níquel-ferro principalmente para a indústria e os primeiros veículos elétricos. Diversas empresas tentaram outras tecnologias, como o sódio-enxofre, que não ganharam muita tração. E algumas concessionárias bombeiam água morro acima há décadas para depois liberá-la para gerar eletricidade.
Mas esses sistemas eram relativamente limitados. Em comparação, o tipo de bateria de íon-lítio instalada no Deserto do Atacama em 2009 agora é usado em todo o mundo.
O rápido crescimento da energia eólica e solar e a crescente demanda por eletricidade criada por data centers tornam as baterias essenciais. Elas armazenam o excedente de energia renovável para momentos sem vento ou sol e mantêm o equilíbrio entre oferta e demanda.
Veja a Califórnia. Nos últimos anos, autoridades estaduais frequentemente pediam aos moradores que reduzissem o uso de eletricidade em dias quentes de verão para evitar apagões. Mas não houve tais alertas desde 2022, principalmente porque as baterias permitiram ao estado usar sua abundante energia solar até a noite. Nos últimos sete anos, a Califórnia adicionou 30 vezes mais capacidade de armazenamento de bateria do que tinha em 2018.
O restante do mundo também viu um crescimento impressionante, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE), uma organização multilateral com sede em Paris. O boom só foi possível graças a uma queda surpreendente de 90% no custo das baterias nos últimos 15 anos, à medida que novas fábricas entraram em operação. A China é de longe a maior fabricante de baterias do mundo, mas Europa, Índia e Estados Unidos também vêm ampliando a produção.
"As baterias estão mudando o jogo diante dos nossos olhos", disse recentemente Fatih Birol, diretor-executivo da AIE.
UM COMEÇO ACIDENTADO
O uso de baterias na rede não foi fácil.Uma empresa da Virgínia chamada AES começou a testar baterias de rede em Indiana, Pensilvânia e Califórnia já em 2008, mas concessionárias de energia dos EUA só começaram a usá-las comercialmente dois anos depois. O ritmo foi lento no início.
"Não havia experiência com armazenamento por bateria", disse Carla Peterman, ex-integrante da Comissão de Energia da Califórnia e hoje vice-presidente executiva da Pacific Gas & Electric, a maior concessionária do estado. "Era um pouco da questão do ovo ou da galinha: não havia o suficiente instalado para realmente dizer que isso poderia ser uma grande parte do sistema energético."
Mas alguns americanos viam claramente os benefícios das baterias. Um deles era Christopher Shelton, executivo da AES, que possui concessionárias e usinas no mundo inteiro.
Ele começou a estudar baterias de íon-lítio quando seus chefes pediram aos funcionários que apresentassem propostas para uma "ideia de um bilhão de dólares". Shelton disse que acreditava que as baterias poderiam reduzir a necessidade de usinas acionadas apenas quando a demanda por eletricidade atingia picos.
"Por que construir um ativo que você não vai usar mais de 5% do tempo?", disse Shelton. "Nós dizíamos que as baterias deveriam ser uma alternativa às usinas de pico."
Ele instalou as primeiras células de bateria em uma discreta subestação elétrica nos arredores de Indianápolis, cidade famosa por sua corrida de 500 milhas. A empresa depois conectou outra em Norristown, Pensilvânia, em um centro de operações do maior operador de rede do país, o PJM Interconnection. Em seguida, a área de Los Angeles foi conectada, seguida por uma bateria maior para a rede de Indianápolis.
Embora os testes tenham sido bem-sucedidos, não impressionaram muitos executivos de concessionárias americanas. A reação foi típica de um setor que se orgulha por manter o que conhece melhor: grandes usinas a carvão, gás e nuclear. Qualquer outra coisa era geralmente tratada como uma ameaça que poderia causar blecautes.
"TESTANDO NA LUA"
Pouco além de alguma raposa-do-deserto vive no planalto desolado do Chile onde a AES instalou seu projeto de bateria. O local fica a várias horas dos aeroportos mais próximos, em Calama e Antofagasta.Depois de pousar, os visitantes precisam dirigir ao menos quatro horas até os salares do Atacama, onde trabalhadores coletam lítio - um ingrediente fundamental das baterias.
O acampamento da AES fica uma hora adiante. Ele se situa em um caminho rochoso e não pavimentado, cheio de pneus estourados ao longo da trilha. Embora as temperaturas durante o final da primavera e o início do verão possam chegar a 27ºC, as noites beiram o congelamento.
"Era como levar a bateria e testá-la na Lua", disse Joaquín Meléndez, engenheiro que liderou o projeto da AES sob Shelton.
No início dos anos 2000, o Chile enfrentou uma crise energética porque a Argentina, seu principal fornecedor de gás natural, não conseguia entregar o suficiente. Isso deixou o Chile - que não tem fontes domésticas de combustível - com pouca energia para sua população e para suas minas de cobre, iodo e lítio.
O país foi forçado a depender de usinas que queimavam carvão importado e caro. Mas essas usinas não podiam aumentar ou diminuir sua produção rapidamente, enquanto as necessidades das mineradoras variavam muito.
Foi aí que as baterias entraram. Enquanto uma usina a carvão pode levar cerca de 12 minutos para entrar em operação, as baterias podem fornecer energia quase instantaneamente. Ao combinar as duas, engenheiros perceberam que as baterias poderiam fornecer eletricidade às minas enquanto as usinas a carvão se aqueciam.
Meléndez trabalhou 16 horas por dia durante seis meses para conectar a primeira bateria de íon-lítio comercializada a uma rede elétrica. Esse equipamento ainda está lá, embora a maioria de suas funções tenha sido transferida para unidades mais novas, eficientes e acessíveis.
O projeto foi imediatamente bem-sucedido, ajudando a manter o sistema elétrico estável quando operações de mineração causavam picos que antes levavam a falhas e quedas de energia.
Nos anos seguintes, a AES instalou mais baterias nos Estados Unidos e no Chile, incluindo ao lado de grandes usinas solares.
Na última década, baterias ajudaram o Chile a usar menos carvão. Em dezembro passado, o país obteve mais de 40% de sua eletricidade de painéis solares e turbinas eólicas, ante 19% cinco anos antes, de acordo com a Ember Energy Research, uma organização sem fins lucrativos. Austrália, Reino Unido, China, Índia e outros países também vêm adicionando muita energia renovável e baterias.
Shelton disse que até ele se surpreendeu com o crescimento recente. "Nós subestimamos o quanto os preços cairiam."
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/12/antes-um-aposta-baterias-para-redes-eletricas-estao-em-toda-parte.shtml


