A sobra de energia renovável pode atrair data centers?

A Usina Hidrelétrica (UHE) Belo Monte, no rio Xingu, no Pará - Joédson Alves - 8.jan.25/Agência Brasil -
- Medidas para mitigar curtailments podem trazer grandes consumidores de energia para o Brasil
- Não faltam propostas para socializar, via cálculo tarifário, custos de atendimento contínuo dos data centers
Cerca de um mês atrás, critiquei o açodamento do Congresso em aprovar (com emendas) a medida provisória 1304/2025 (MP 1304). Apontei que, no atropelo, duas determinações conflitantes foram aprovadas em relação aos curtailments (ressarcimento de geradores eólicos e solares que, podendo gerar e vender energia, são impedidos de fazê-lo). Disse que uma das duas determinações teria que ser vetada e que torcia para que fosse a emenda de plenário, que abria a possibilidade dos consumidores terem que pagar pelo "não consumo".
Felizmente foi o que aconteceu: o vice-presidente Geraldo Alckmin ouviu os técnicos e, no exercício da presidência, vetou a tal emenda.
Os curtailments ocorrem nas horas em que o sol brilha, por excesso de geração. Como, ao contrário, no início da noite há falta de geração, seria de se esperar que os preços horários variassem significativamente. Isso não acontece porque há limites para os preços, inferior e superior, que impedem o mercado de energia de funcionar adequadamente. Quando essas travas forem removidas, provavelmente passará a ser vantajoso armazenar energia nas horas em que há excesso para uso nas horas de escassez.
A energia potencial da água (conceito físico) é a maneira mais utilizada no mundo para armazenar grandes quantidades de energia. No Brasil, essa estratégia tem sido utilizada há décadas para estocar energia nos anos ou meses hidrologicamente bons para uso nos anos ou meses ruins. Na escala horária, pode-se usar Usinas Hidroelétricas Reversíveis (UHRs) que movimentam a água entre dois reservatórios (o superior e o inferior), às vezes bombeando, outras turbinando.
Até recentemente, falar em reservatórios equivalia a chamar o setor ambiental para a briga. Porém, a própria MP 1304 já introduziu significativa mudança ao incluir "a segurança hídrica e energética por meio do incentivo e da promoção de obras de acumulação de água" entre os objetivos da Política Nacional de Recursos Hídricos. Adicionalmente, a recente derrubada dos vetos à Lei Geral do Licenciamento Ambiental deve simplificar e acelerar o processo de licenciamento.
Mesmo que UHRs e outros sistemas de armazenamento intradiário de energia (baterias, por exemplo) sejam economicamente viáveis, o curtailment não cessará porque sobra mais energia do que falta num ciclo diário médio. Ou seja, para mitigar o curtailment, seria preciso aumentar o consumo. Daí a ideia de atrair grandes consumidores de energia para o Brasil, como os data centers (DCs).
Essa é a motivação da MP 1318/2025, que institui o Regime Especial de Tributação para data centers que usem energia elétrica "verde". Como os DCs precisam funcionar 24x7 e o Brasil só tem excesso de energia "verde" em algumas horas do dia, não faltam propostas para socializar, via cálculo tarifário, os custos de atendimento contínuo dos DCs e de outras grandes cargas elétricas. É preciso rejeitá-las.
Há esperança no horizonte tecnológico: um DC em Abilene (Texas) de 1200 MW classifica os requisitos de computação em função da urgência. A ideia é cobrar menos das cargas computacionais que podem aguardar processamento para as horas em que há sobra de energia renovável. Por enquanto, só no Texas. No futuro, em qualquer lugar do mundo.
Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/jerson-kelman/2025/12/a-sobra-de-energia-renovavel-pode-atrair-data-centers.shtml


