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As baterias em que ninguém confiava estão sustentando redes elétricas no mundo

Christopher Shelton, executivo na empresa de energia solar AES, num projeto em Lancaster, Califórnia (Ruth Fremson/The New York Times) -

A bateria de íons de lítio foi inventada nos anos 70, mas a tecnologia demorou para avançar porque era considerada cara e arriscada


Ivan Penn | The New York Times

Antofagasta, Chile - As baterias de íons de lítio, que alimentam de celulares a carros, estão cada vez mais salvando redes elétricas ao redor do mundo.

Baterias do tamanho de contêineres estão sendo conectadas a linhas de energia e instaladas ao lado de painéis solares e turbinas eólicas. Elas acumulam energia quando ela é abundante e barata e a liberam quando o consumo dispara, ajudando a reduzir a necessidade de usinas e linhas de transmissão caras.

Pesquisadores americanos inventaram a bateria de íons de lítio na década de 1970 e depois mostraram que os dispositivos poderiam ajudar a rede elétrica. Mas, por muito tempo, as baterias avançaram pouco porque operadores de rede e executivos de concessionárias as descartavam como caras e arriscadas.

Um dos primeiros avanços ocorreu há cerca de 15 anos, quando engenheiros de uma empresa de energia dos Estados Unidos instalaram uma das primeiras baterias de íons de lítio conectadas a uma rede em um deserto, quase 2.700 metros acima do nível do mar, no Chile.

Desafiando ideias convencionais sobre como o sistema elétrico deveria funcionar, aquela equipe ajudou a provar que as baterias podiam tornar as redes elétricas mais estáveis e confiáveis.

O conceito de armazenar energia não era novo. Thomas Edison desenvolveu baterias alcalinas de níquel-ferro voltadas principalmente para a indústria e para os primeiros veículos elétricos.

Várias empresas tentaram outras tecnologias, como a de sódio-enxofre, que não ganharam muito espaço. E algumas concessionárias há tempos bombeiam água para cima para depois liberá-la ladeira abaixo para gerar eletricidade.

Mas esses sistemas eram relativamente limitados. Já as baterias de lítio instaladas no deserto do Atacama em 2009, em comparação, agora são usadas no mundo todo.

O rápido crescimento da energia eólica e solar e a demanda crescente por eletricidade de data centers estão tornando as baterias indispensáveis. Elas armazenam o excedente de energia renovável quando não há vento ou sol e mantêm o equilíbrio entre oferta e demanda.

Considere a Califórnia. Nos últimos anos, autoridades estaduais frequentemente pediram que moradores reduzissem o uso de eletricidade em dias quentes de verão para evitar apagões.

Mas não houve alertas assim desde 2022, em grande parte porque as baterias permitiram que a Califórnia usasse sua abundante energia solar até o fim da tarde. Nos últimos sete anos, o estado adicionou 30 vezes mais capacidade de armazenamento do que tinha em 2018.

O restante do mundo também registrou crescimento impressionante, segundo a Agência Internacional de Energia, uma organização multilateral em Paris.

O boom foi possível graças a uma queda impressionante de 90% no custo das baterias nos últimos 15 anos, com novas fábricas entrando em operação. A China é, de longe, a maior fabricante de baterias, mas Europa, Índia e Estados Unidos também vêm ampliando a produção.

"Baterias estão mudando o jogo diante dos nossos olhos", disse recentemente Fatih Birol, diretor-executivo da Agência Internacional de Energia.

Um começo acidentado

O uso de baterias na rede elétrica não foi simples.

Uma empresa da Virgínia chamada AES começou a testar baterias de rede em Indiana, Pensilvânia e Califórnia já em 2008, mas fornecedores de energia dos Estados Unidos só passaram a usá-las comercialmente dois anos depois. O ritmo foi lento durante um tempo.

"Não havia experiência com armazenamento em baterias", disse Carla Peterman, ex-integrante da Comissão de Energia da Califórnia e hoje vice-presidente executiva da Pacific Gas & Electric, a maior concessionária do estado.

"Era um pouco da lógica da galinha e do ovo: não havia baterias suficientes instaladas para realmente dizer que isso poderia ser uma parte importante do sistema de energia."

Mas alguns americanos claramente enxergavam os benefícios das baterias. Um deles era Christopher Shelton, executivo da AES, que é dona de concessionárias e usinas pelo mundo.

Ele começou a estudar baterias de íons de lítio quando seus chefes pediram aos funcionários que apresentassem propostas para uma "ideia de um bilhão de dólares".

Shelton disse que acreditava que as baterias poderiam reduzir a necessidade de usinas que as concessionárias acionavam apenas quando a demanda atingia picos.

"Por que construir um ativo que você não usaria mais do que 5% do tempo?", disse Shelton. "Estávamos dizendo que as baterias deveriam ser uma alternativa às usinas de pico."

Ele primeiro instalou células de bateria em uma subestação elétrica discreta nos arredores de Indianápolis, cidade conhecida por sua corrida de carros de 500 milhas.

Sua empresa depois conectou outra bateria em Norristown, Pensilvânia, em um centro de operações do maior operador de rede do país, a PJM Interconnection. A área de Los Angeles foi conectada logo depois, seguida de uma bateria maior para a rede de Indianápolis.

Embora seus testes tenham sido bem-sucedidos, eles não impressionaram suficientemente muitos executivos de concessionárias americanas.

A reação era típica de um setor que se orgulha de manter o que conhece melhor: grandes usinas a carvão, gás e nucleares. Qualquer outra coisa geralmente era tratada como ameaça que poderia causar apagões.

"Testando na Lua"

Quase nada além de uma ou outra raposa-do-deserto vive no planalto árido no Chile onde a AES montou seu projeto de baterias. O local fica a várias horas dos dois aeroportos mais próximos, em Calama e Antofagasta.

Depois de pousar, visitantes precisam dirigir pelo menos quatro horas até os salares do deserto do Atacama, onde trabalhadores coletam lítio - ingrediente essencial das baterias.

O acampamento da AES fica mais uma hora adiante. Ele se situa em uma trilha rochosa e não pavimentada, ladeada por pneus estourados. Embora as temperaturas no fim da primavera e início do verão possam chegar a cerca de 27 °C, as noites podem beirar o congelamento.

"Era como pegar a bateria e testá-la na Lua", disse Joaquín Meléndez, engenheiro que liderou o projeto da AES ali sob a supervisão de Shelton.

No início dos anos 2000, o Chile enfrentou uma crise de energia porque a Argentina, seu principal fornecedor de gás natural, não conseguia entregar o suficiente.

Isso deixou o Chile - que não tem fontes próprias de combustível - com energia insuficiente para sua população e para suas minas de cobre, iodo e lítio.

O Chile foi forçado a depender de usinas que queimavam carvão importado e caro. Mas essas usinas não podiam ser facilmente acionadas ou desligadas, e as necessidades das mineradoras chilenas variavam muito.

Foi aí que as baterias entraram. Enquanto uma usina a carvão pode levar cerca de 12 minutos para entrar em operação, baterias podem descarregar energia quase instantaneamente. Ao combinar as duas, engenheiros perceberam que as baterias podiam fornecer a eletricidade de que as minas precisavam enquanto as usinas se aqueciam.

Meléndez trabalhou 16 horas por dia durante seis meses para conectar a primeira bateria de íons de lítio comercializada a uma rede elétrica. Esse equipamento ainda está de pé, embora a maior parte de suas funções tenha sido assumida por unidades mais novas, eficientes e acessíveis.

O projeto teve sucesso imediato, ajudando a manter o sistema elétrico estável quando operações de mineração provocavam picos que antes levavam a falhas e apagões.

Na última década, as baterias ajudaram o Chile a usar menos carvão. Em dezembro passado, o país obteve mais de 40% de sua eletricidade de painéis solares e turbinas eólicas, ante 19% cinco anos antes, segundo a Ember Energy Research, uma organização sem fins lucrativos.

Austrália, Reino Unido, China, Índia e outros países também vêm adicionando muita energia renovável e baterias.

Shelton disse que até ele ficou surpreso com o crescimento recente das baterias. "Nós subestimamos o quanto os preços cairiam."

Infomoney
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