Desarranjo do Brasil favorece cavalo paraguaio

O Secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio, quer a energia excedente do Paraguai em Itaipu para desenvolver a inteligência artificial no seu país - Foto: Julien de Rosa/AP
Desavenças em torno da MP do setor elétrico mostram por que até o cavalo paraguaio em que Marco Rubio montou pode levar vantagem nos ''datacenters''
Por Maria Cristina Fernandes
Com a saída do assessor de segurança nacional da Casa Branca, Mike Waltz, e a contagem regressiva para a saída do governo do enviado especial para a América Latina, Mauricio Claver-Carone, é natural que todas as atenções se voltem para o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio.
Este acúmulo de poderes joga holofotes sobre sua convocação pelas comissões do Congresso e sobre a repercussão, no Brasil, de suas declarações, em dois dias consecutivos, no Capitólio. Como serve a um presidente que humilha dois chefes de Estado dentro da Casa Branca, como Donald Trump o fez com Volodmyr Zelenski (Ucrânia) e Cyril Ramaphosa (África do Sul), este poder pode se esvair de uma hora para outra. Aliás, já aconteceu quando Rubio foi desautorizado pelo enviado de Trump à Venezuela, Richard Grenell.
Até lá, vale o dito. O primeiro, sobre o interesse americano no uso da energia paraguaia de Itaipu para os "datacenters" americanos e, o segundo, sobre a disposição da Casa Branca em punir o ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, tendo por base a Lei Magnitsky. Aprovada no governo Barack Obama, esta lei prevê sanções como o bloqueio de bens e contas bancárias em território americano, além de veto à entrada no país, de autoridades estrangeiras acusadas de corrupção ou grave violação a direitos humanos.
Se é para levar algo a sério na profusão declaratória de Rubio, a preleção sobre os "datacenters" tem precedência. A primeira pauta está comprometida pela ausência de retaguarda dos principais interlocutores do secretário de Estado no tema - o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e o influenciador Paulo Figueiredo.
O primeiro teve que declinar, pelo menos em público, da vaquinha que o ex-ministro do Turismo do governo do seu pai, Gilson Machado Neto, estava fazendo. Depois que sua mulher apareceu num rodeio usando uma bolsa de cinco dígitos, ficou difícil receber mesada do pai recolhida da poupança popular.
Já o segundo, foragido nos EUA, ficou exposto na publicação de suas mensagens com o ex-ajudante de ordens do ex-presidente, Mauro Cid, em que expressa inconformidade com os danos dos atos de 8 de janeiro sobre a direita brasileira e com a inércia de Jair Bolsonaro ante os manifestantes. Os áudios respaldam as ações judiciais em curso no STF.
As bases domésticas trepidantes nas quais Eduardo Bolsonaro e Paulo Figueiredo atuam desautorizam a expectativa de que sejam capazes de fazer mover a Casa Branca em sua direção. Ainda colabora para isso o fato de que o alvo comum de ambos, Alexandre de Moraes, depois do titubeio do ex-comandante do Exército, general Freire Gomes, foi plenamente respaldado pelo depoimento do comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Batista Júnior, na denúncia do golpismo.
A mobilização de Rubio pela instalação dos "datacenters" no Paraguai é outra história. Neste caso, a desarrumação é no campo governista. Entre as muitas desavenças que levaram à ausência de texto, até a noite de quarta, da MP do setor elétrico já assinada pelo presidente da República pela manhã, está a ausência de um modelo para o setor que promete ser o mais intensivo em energia.
Não adiantou colocar dentro do mesmo avião da turnê Moscou/Pequim os três principais interlocutores do setor energético do país: o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP). Eles mal se falaram durante a viagem.
Na noite de ontem, lideranças partidárias reportaram a circulação de um áudio em que o presidente do Senado se recusaria a protocolar o texto que havia recebido. Antes mesmo que a MP chegasse ao Diário Oficial, uma empresa eólica já cogitava representar, no Cade, contra ato de concentração dele decorrente.
A árvore de Natal em que a MP ameaça se transformar tem, pelo menos, dois precedentes. O primeiro é o da privatização da EletrobrasCotação de Eletrobras. O segundo é o marco das eólicas "offshore" (gerada por turbinas instaladas no mar). Ambos foram invadidos por bandos de jabutis, a maior parte dos quais em benefício das usinas térmicas, setor em que atuam grandes grupos de alguns dos maiores empresários e investidores do país - Carlos Suarez, Joesley Batista, André Esteves e Rubens Ometto.
A privatização da EletrobrasCotação de Eletrobras, de 2021, inflacionou o custo da energia numa escalada que, supostamente, é um dos alvos desta MP. Em janeiro, o governo sancionou o marco das eólicas mas impôs vetos aos jabutis das térmicas que ainda não foram apreciados pelo Congresso. A MP do setor elétrico foi anunciada sem que esse impasse tenha sido resolvido.
Não é o único. Permanece em aberto a regulamentação para a instalação de "datacenters" em que estaria previsto o uso do excedente de energia tanto de Itaipu - aquele cobiçado pelo secretário de Estado americano- quanto aquele gerado por energias renováveis.
A entrada do ministro Fernando Haddad na parada não ajudou a pacificar a discussão porque a bancada da energia renovável queixa-se de não ter sido ouvida antes de sua viagem aos EUA para propagar as vantagens tupiniquins no tema.
Vê ainda um antagonismo entre o interesse da Fazenda em viabilizar investimentos de "datacenters" americanos e aqueles da Casa Civil, mais próximos dos chineses. Com este meio de campo doméstico tão desarrumado, até o cavalo paraguaio em que Marco Rubio montou esta semana corre o risco de levar vantagem.
Valor
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