Especial Armazenamento: fabricantes projetam salto no mercado brasileiro de baterias até 2030

Imagem: Divulgação ISA CTEEP
Com alta nas tarifas de energia, restrições de rede e busca por maior autonomia energética, o mercado brasileiro de baterias deve crescer de forma acelerada, mesmo sem um marco legal regulatório definido. Fabricantes nacionais e globais se posicionam para atender à demanda crescente e ampliar a produção local.
JUNHO 9, 2025 ALESSANDRA NERIS
Neste novo especial da pv magazine Brasil, apresentamos um panorama detalhado sobre o mercado de armazenamento de energia no Brasil, impulsionado pela busca por contornar a alta nas tarifas de energia, restrições de rede e maior autonomia energética, mesmo sem um marco legal regulatório definido. Com a expansão da geração distribuída e os desafios de confiabilidade no fornecimento, o segmento de baterias desponta como peça-chave para o futuro do setor elétrico nacional.
Para mapear esse momento de transição, a pv magazine conversou com fabricantes nacionais e globais que atuam no país. Empresas como BYD, Deye, Dyness, Fox ESS, GoodWe, Growatt, Huawei, Livoltek, Powersafe, SecPower, SolarXP, Sungrow e UCB Power compartilham suas estratégias comerciais, planos de produção local, posicionamento diante da regulamentação e projeções de crescimento. Entre apostas em novas tecnologias, desafios logísticos e uma competição cada vez mais acirrada, os depoimentos revelam um setor que se organiza para uma nova fase de expansão no Brasil.
Capacidade local em expansão
A brasileira SecPower, com quase três décadas no mercado, também cresce sua produção local, atualmente com 336 MWh/ano e possibilidade de dobrar essa capacidade. A CEO da SecPower, Gabriella Reigada, reforça que "estamos ampliando nossa capacidade fabril. O crescimento da demanda tem sido notável desde o ano passado".


A UCB Power também investe na produção local, com capacidade anual superior a 72 mil unidades de baterias de lítio para energia, além de mais de 2 milhões de unidades de baterias de chumbo e outras linhas dedicadas a celulares e notebooks. O gerente de engenharia de produto da empresa, Roberto De Luca, pontua que "a bateria é o motor da transição energética e será responsável pela segurança energética do sistema nacional através da maior disponibilidade dos recursos energéticos renováveis."


Enquanto isso, fabricantes globais como Deye, Growatt, Huawei, Livoltek, SolaX Power e Sungrow ainda não possuem produção local consolidada, mas realizam estudos e desenvolvem estratégias para atender à crescente demanda brasileira.
Iberê Carneiro, engenheiro da Livoltek, diz que a empresa já inicia estudos para transferir parte da produção para a fábrica de Manaus até 2026. A Deye projeta começar a produção local em 2025, conforme o diretor de operações, Caio Lentini. "O crescimento tem sido acelerado e o mercado tende a adotar sistemas com baterias ao invés de on-grid tradicionais."


Regulamentação, tarifas e clima: catalisadores do mercado
O amadurecimento do marco regulatório, como a Portaria Inmetro 140/2022, junto ao aumento das tarifas de energia e eventos climáticos extremos, tem impulsionado a adoção de soluções de armazenamento.
"Os recorrentes apagões pelo Brasil fazem com que as pessoas busquem soluções confiáveis para não sofrer com os impactos das constantes interrupções no fornecimento. Nesse sentido, as baterias chegam como solução para esse problema, garantindo a segurança e independência energética do brasileiro", diz a gerente da SolarX, Dieny Melo.
Robson Meira, country manager da Fox ESS, observa que a demanda deve dobrar até 2026, especialmente por sistemas híbridos e off-grid. "Observamos um crescimento expressivo na procura por soluções de armazenamento," diz ele.
Thiago Guimarães, diretor de vendas da GoodWe, ressalta a aposta no agronegócio e setor comercial. "Acreditamos que o mercado vai crescer muito daqui para frente. Lançamos soluções com paralelismo de backup e potência instantânea de até 1 MW".



Schneider reforça a visão positiva. "A demanda por soluções de armazenamento estacionário está em expansão, impulsionada pela geração distribuída, pelas necessidades de backup e pela busca por eficiência energética".
O country manager da Dyness, Carlos Trotta, vê 2024 como um "ano semente" para o mercado e projeta crescimento exponencial até 2030: "Este é o ano base do crescimento, que será exponencial até 2030."


Domínio tecnológico com baterias de íon-lítio
A adoção majoritária da tecnologia de lítio ferro fosfato (LiFePO₄ ou LFP) evidencia uma preferência do mercado brasileiro por soluções mais seguras, duráveis e com bom desempenho térmico, especialmente em aplicações de energia solar e mobilidade elétrica. Schneider, da BYD, destaca que a empresa trabalha exclusivamente com baterias de íon-lítio, utilizando a Blade Battery em veículos leves e versões LFP robustas para veículos pesados e sistemas de armazenamento. "Nosso modelo verticalizado garante controle total da cadeia, da matéria-prima ao sistema final", afirma.
Meira, da FoxESS, aponta vantagem semelhante: "Dominamos toda a cadeia, da extração dos minérios ao produto final, o que garante rastreabilidade e confiabilidade."
Já o CTO da Huawei, Roberto Valer, enfatiza o rigor técnico na escolha de fornecedores de células, compensando o fato de não fabricar diretamente esse componente. "Conduzimos mais de 100 testes técnicos para assegurar a qualidade das células integradas em nossos sistemas."

Mesmo empresas que não produzem as células investem fortemente em etapas críticas, como o desenvolvimento de sistemas de gerenciamento e integração, caso de Guimarães, da Goodwe, que cita uma linha ampla de produtos com tecnologias LFP moduláveis.
Na Dyness, Trotta destaca recursos avançados de segurança, como o sistema anti-incêndio com supressão por aerosol e um BMS (Battery Management System ou Sistema de gerenciamento de bateria, em português) inteligente que equilibra a carga das células.
Lentini, da Deye, resume o modelo da empresa ao dizer que há fabricação própria do BMS e gabinete, com uso de células de players tier 1.
Essa estrutura híbrida, de controle parcial ou total da cadeia, também é seguida por empresas como Growatt, SolaX, Livoltek e UCB Power, que se posiciona como a primeira fabricante nacional de baterias de lítio LFP.
Os elos da cadeia do segmento de baterias
A cadeia do armazenamento de energia por baterias é extensa e ainda se consolida no Brasil, envolvendo desde a extração de minerais críticos até a reciclagem. Schneider, da BYD, resume os principais elos: produção de células, montagem dos sistemas, integração com inversores, EMS, instalação e operação. Ele pontua que os elos mais presentes hoje no país ainda se concentram nas etapas finais, como comercialização e integração, e vê espaço para avanço local, especialmente em protocolos de reuso e reciclagem. "Tendem a se fortalecer nos próximos anos", prevê.
Empresas que operam com maior verticalização destacam vantagens em qualidade e rastreabilidade. Meira, da FoxESS, afirma que a empresa domina toda a cadeia, da mineração à instalação, com apoio estratégico de grupos como a REPT Battero e a Tsingshan. Trotta, da Dyness, amplia o mapa ao citar sete elos essenciais: extração, produção de componentes, montagem de células, integração, comercialização, uso e reciclagem. Para ele, "o papel dos distribuidores e instaladores será fundamental nesta transição, mas a capacitação constante será essencial para amadurecer o setor".
Outras fabricantes detalham sua atuação em partes específicas da cadeia. Lentini, da Deye, lista: fabricante de célula, BMS, gabinete, montador, distribuidor e cliente final. Guimarães, da Goodwe, fala de um modelo híbrido, que vai desde a compra das células até a atuação junto ao cliente final, com apoio de integradores e parceiros em projetos especiais. Valer, da Huawei, enfatiza a oferta de sistemas completos, com módulos, containers, subestações e PCS, otimizando o comissionamento. Riberio, da Powersafe, destaca que a empresa conta com um programa ambiental para gerenciar resíduos durante a cadeia de produção. Empresas como SecPower, SolaX, Livoltek e UCB Power reforçam a importância da engenharia local, suporte técnico, integração inteligente e sustentabilidade como diferenciais competitivos.
O modelo BESS as a Service no Brasil
A diversificação das aplicações e o avanço do modelo de negócios BESS as a Service têm impulsionado fabricantes a adaptar seus portfólios no Brasil com soluções modulares, escaláveis e voltadas a diferentes perfis de consumo. Para atender desde residências até projetos industriais e usinas, empresas como Deye, FoxESS, Growatt e Dyness ampliaram sua oferta com baterias de lítio-ferro-fosfato (LFP), configuradas para baixa ou alta tensão e com diferentes capacidades de expansão. Lentini, da Deye, explica que a modularidade é estratégica: "Temos baterias de 2kWh a 5MWh, com fácil associação, e já operamos no Brasil com o modelo Battery as a Service, no Pará."
No segmento industrial, os sistemas integrados ganham destaque. Meira, da FoxESS, cita o GMAX, já em operação em uma fábrica de sorvetes e em estações de recarga rápida de veículos. A Huawei, por sua vez, firmou parceria com a Matrix Energia para viabilizar projetos de armazenamento sem venda direta ao cliente final. "O cliente se beneficia dos ganhos operacionais e econômicos, sem a necessidade de aquisição do sistema", afirma Valer. Schneider, da BYD, também destaca a aposta em parcerias com integradores, oferecendo previsibilidade de custos e performance como diferenciais.
Entre as nacionais, a Powersafe acelera sua entrada nesse mercado ao lado de um parceiro estratégico e já possui linha de crédito específica com o banco BV para projetos com baterias. "Nos posicionamos como a primeira fabricante do Brasil com essa estrutura de financiamento para o armazenamento", reforça Ribeiro. Já a SecPower prepara o lançamento do modelo BESS as a Service com foco em acessibilidade e compatibilidade com sistemas legados. Mais do que vender baterias, as fabricantes querem oferecer energia como serviço, moldando o mercado à medida das novas demandas.
Os principais drivers para a adoção de sistemas de armazenamento
A busca por segurança energética e economia frente à alta das tarifas e à instabilidade da rede é um dos principais motores da demanda. "Hoje, o armazenamento representa uma resposta direta às limitações das redes de distribuição, ao aumento no custo do diesel e à vulnerabilidade de sistemas críticos, como hospitais, data centers e indústrias", explica Rafael Ribeiro, diretor da Sungrow. Já Robusti, da Growatt, aponta que "a autonomia energética e a mitigação das tarifas em horário de ponta são grandes motivadores, mas ainda há gargalos técnicos, especialmente na formação de integradores preparados para dimensionar e operar esses sistemas".
Do ponto de vista regulatório, o setor enxerga um novo horizonte. Schneider, da BYD, destaca que "a modernização do marco regulatório tem impulsionado aplicações conectadas à rede, como sistemas ancilares, resposta à demanda e reserva de capacidade". Roberto de Luca, da UCB Power, complementa que "a GDII e a inserção do Fio B tornam o armazenamento mais vantajoso, principalmente com a queda nos preços do lítio".
No mercado corporativo, aplicações como peak shaving, load shifting e backup inteligente têm sido protagonistas. "Empresas buscam evitar restrições técnicas, aumentar produção e manter sistemas críticos funcionando sem depender da rede", aponta Reigada, da SecPower. Para Guimarães, da Goodwe, a confiabilidade energética é o driver mais forte. "Os consumidores querem garantia de fornecimento, mais até do que economia". Meira, da FoxESS, reforça essa tendência com um alerta: "as mudanças regulatórias que afetam a compensação de créditos e a insegurança elétrica estão tornando as baterias não apenas uma opção, mas uma necessidade para muitos".
A expectativa do setor era que o primeiro leilão de reserva de capacidade com baterias, previsto para 2025, e outras iniciativas do Ministério de Minas e Energia (MME), da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) e Empresa de Pesquisa Energética (EPE) consolidassem a tecnologia como peça estratégica do planejamento energético nacional. Mas este cenário ainda está incerto com a recente dança de cadeiras na Aneel e no MME, com a saída de dois agentes ligados às políticas sobre armazenamento no país.
Recentemente terminou o mandato do diretor da agência reguladora, Ricardo Tili, que era responsável por relatar o processo da regulamentação sobre sistemas de armazenamento e os processos de responsabilidade ainda não foram redistribuídos entre os outros diretores. O diretor Daniel Danna foi designado para analisar o resultado da Consulta Pública 39 no lugar de Tili. Além disso, na última sexta-feira, o Secretário Nacional de Transição Energética e Planejamento, Thiago Barral, foi exonerado do cargo para assumir coordenação da área de energia da COP30. Em seu lugar, foi apontado Gustavo Cerqueira Ataíde, chefe de gabinete da presidência da EPE.
Oportunidades no setor elétrico
Para Schneider, da BYD, as baterias terão papel estratégico em um cenário de "expansão acelerada da geração solar e eólica", contribuindo para a confiabilidade do sistema e viabilizando operações mais flexíveis, como as do mercado livre. Valer, da Huawei, também destaca a relevância das baterias para "a regulação de frequência, controle de tensão e suporte à alta penetração de renováveis", com foco em projetos de microrredes e no Leilão de Reserva de Capacidade. Já Reigada, da SecPower, ressalta o uso crescente por distribuidoras em sistemas isolados e P&D (Pesquisa e Desenvolvimento), com soluções de até 6 MWh que evitam investimentos pesados em infraestrutura tradicional.
Além das aplicações diretamente ligadas à rede, o setor industrial, o agronegócio e os mercados de missão crítica surgem como grandes demandantes. "Hospitais, data centers, produção de leite, irrigação: todos precisam de energia estável e contínua", enumera Guimarães, da Goodwe. Ribeiro, da Sungrow, reforça que, além da demanda, há um impulso estrutural vindo da queda no preço das baterias, da alta do diesel e do avanço regulatório. "O armazenamento está cada vez mais viável e estratégico para o planejamento energético nacional".

Indústria se mobiliza por regras claras e leilões viáveis para o armazenamento
A regulamentação do armazenamento de energia e a realização dos leilões de reserva de capacidade são pautas centrais para destravar investimentos no setor. Empresas com atuação no Brasil têm buscado participar ativamente dessas discussões por meio de entidades setoriais, consultas públicas e fóruns técnicos. Um exemplo é a Huawei. Segundo Valer, a empresa contribuiu formalmente para a consulta pública da portaria do leilão e defende "a adoção de requisitos técnicos que garantam a segurança e a eficiência dos sistemas". Ele também destaca o envolvimento institucional com o governo federal e a visita recente do ministro de Minas e Energia à sede da empresa na China.
Muitas empresas têm se engajado por meio de associações como a Associação Brasileira de Soluções de Armazenamento de Energia (ABSAE), a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (ABSOLAR) e a Associação Brasileira de Geração Distribuída (ABGD), reforçando a importância da articulação setorial.
"Participamos por meio da ABSAE, da qual fazemos parte, além da efetiva e constante participação em fóruns técnicos e na elaboração de normas conduzidas pela ABNT", afirma Reigada, da SecPower. Já Ribeiro, da Powersafe, destaca a presença da equipe da empresa no ABSAE Global Summit, que reuniu representantes do Brasil e de países como Reino Unido, Chile e Austrália. "Estamos alinhados às boas práticas e à execução do leilão de reserva de capacidade".
Mesmo empresas que ainda não participam diretamente das discussões reconhecem a importância de se engajar. Trotta, da Dyness, afirma que a empresa acompanha as entidades e pretende se envolver em breve, destacando a atuação da ABSAE como essencial para tirar os leilões do papel. Schneider, da BYD, corrobora. "Acreditamos que um marco regulatório claro e estável é essencial para garantir segurança jurídica e acelerar a adoção do armazenamento em larga escala".
O que o setor espera para viabilizar o armazenamento
A regulamentação do uso de baterias no setor elétrico brasileiro é unanimemente vista pelas empresas como o ponto-chave para destravar investimentos e ampliar o papel do armazenamento na transição energética. Schneider, da BYD, defende que as baterias sejam reconhecidas como agentes multifuncionais, prestando serviços tanto para a geração quanto para o consumo e o suporte à rede. Ele também aponta a necessidade de garantir previsibilidade e permitir competição tecnológica nos leilões. Para Valer, da Huawei, a inclusão de funcionalidades avançadas, como a tecnologia grid forming, é urgente. "Já é realidade em mercados maduros e pode evitar apagões, oferecendo inércia sintética e suporte à estabilidade do sistema".
Do ponto de vista tributário, diversos executivos alertam para entraves que comprometem a competitividade das baterias frente a outras fontes. Robusti, da Growatt, ressalta que "a carga tributária elevada sobre equipamentos importados gera insegurança e limita modelos de negócio". Reigada, da SecPower, aponta que as baterias hoje enfrentam "uma carga fiscal mais alta do que outras fontes limpas, o que desestimula investimentos". A volta do regime de ex-tarifário, defendida por Melo, da SolaX Power, também é vista como crucial para ampliar o acesso à tecnologia.
A viabilização econômica depende ainda da remuneração adequada dos diversos serviços que as baterias podem prestar. Oliveira, da Livoltek, destaca a importância do reconhecimento dos serviços ancilares, enquanto Ribeiro, da Sungrow, reforça: "É essencial remunerar funções como controle de frequência, alívio de carga e resposta rápida". Já Lentini, da Deye, finaliza apontando o caminho polític. "O desafio é regulamentar. Já temos soluções, falta apoio governamental para escalar o setor".
PV Magazine
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