ARMAZENE - Associação Brasileira de Armazenamento de Energia

Importância estratégica para armazenamento de energia elétrica com baterias

Sistemas de armazenamento por baterias serão capazes de superar o paradoxo energético do Brasil frente ao imenso potencial das energias solar e eólica


Por Fernando de Lima Caneppele e Nivalde José de Castro

O processo de transição energética, mesmo com parada temporária dos EUA por decisão do Trump, é uma realidade concreta e com uma dinâmica competitiva global cada vez mais acirrada. Nesse processo, os países líderes serão aqueles com visão estratégica e capacidade de integrar as inovações tecnológicas para criar modelos de negócio mediante agilidade na implementação de inovações regulatórias.

No novo paradigma tecnológico derivado diretamente deste processo, a intermitência das fontes solar e eólica determina um grande desafio, mas cuja solução já está equacionada através do armazenamento de energia, de dois tipos: hidráulico e baterias (BESS, na sigla em inglês). O foco analítico deste pequeno e objetivo artigo são os sistemas de baterias, que outrora eram solução de nicho. Agora, porém, os BESS são um vetor de infraestrutura crítica, capazes de garantir estabilidade, flexibilidade e segurança às redes elétricas, cada vez mais complexas por força, inclusive, da dinâmica de eletrificação-digitalização, pilares do processo de descarbonização.

O Brasil tem uma grande vantagem competitiva em relação ao resto do mundo, dada a sua vocação histórica de deter uma consolidada matriz elétrica renovável. No entanto, o país já começa a enfrentar os problemas derivados do aumento da participação das energias solar e eólica, que provoca um desequilíbrio diário com uma sobre oferta em relação à demanda de energia elétrica, obrigando o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) a cortar a geração, o que é denominado de curtailments. A mitigação deste problema, que só irá se acirrar com a expansão da geração renovável, é incorporação de BESS e usinas hidroelétricas reversíveis no Setor Elétrico Brasileiro (SEB).

O descompasso temporal entre oferta e demanda de energia elétrica, conceitualmente denominado por Curva do Pato, pode ser explicada através da figura a seguir, que é uma estimativa do GESEL-UFRJ, com base em parâmetros da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), para as 24 horas de um dia de 2030. A linha preta é a carga (demanda) total, que é suprida pelas diferentes fontes que compõem a matriz elétrica. O destaque é para energia solar que tem uma grande participação elevada, em um período do dia muito concentrado. No momento de "sol a pino" ela, atende cerca de 50% da demanda total, configurando a barriga da Curva do Pato. Como ocorre um excesso de oferta, o ONS é obrigado a cortar o excedente (curtailment), determinando uma externalidade negativa para as outras fontes, que têm redução de receita, com potencial desequilíbrio financeiro, que poderá levar a recuperação judicial e quebra de empreendimentos.

A solução estrutural para superar este desequilíbrio é canalizar o excedente de oferta para carregar os sistemas de armazenamento, no caso em questão, as BESS.

Frente a esse novo contexto paradigmático, o ano de 2025 se apresenta como um divisor de águas, com a realização do primeiro leilão de reserva de capacidade (LRCAP), que irá incluir explicitamente a contratação de BESS, que serão utilizadas para capturar e armazenar a energia que está sendo cortada. Este novo cenário irá abrir um novo front de investimentos, criando uma nova cadeia produtiva com grande potencial de desenvolvimento econômico e social e baixo risco, em razão do crescente excedente verificado. E o mais importante, sem nenhuma necessidade econômica para pleitear subsídios, os famosos jabutis dos congressistas.

Neste sentido, os sistemas de armazenamento por baterias serão capazes de superar o paradoxo energético do Brasil frente ao imenso potencial das energias solar e eólica, estimado pela EPE em 1.300.000 MW. Esse cenário elétrico-energético, já equacionado no estudo PDE 20234, tende a criar um ambiente de negócios, propício para o desenvolvimento e a inserção das tecnologias de armazenamento. Assim, será possível viabilizar a integração massiva e segura das fontes eólica e solar, de modo a convergir para uma harmonia entre oferta e demanda de energia, além de impactar positivamente a competitividade industrial verde e a segurança energética futura.

Alguns exemplos de experiências internacionais podem ser destacados, a começar pela Califórnia, que enfrentou um grande descompasso entre oferta e demanda, quando foi cunhado o conceito de Curva do Pato. Naquele rico Estado estadunidense, uma política agressiva de incentivo aos BESS foi a solução encontrada, somando, hoje, com cerca de 100 GW de capacidade instalada. Essas baterias absorvem a energia solar barata, que sobra no período de muito sol, estabilizando a frequência da rede e injetando-a a partir do entardecer e anoitecer, de forma a reduzir a demanda por usinas a gás.

A Austrália, por sua vez, após um crítico apagão, criou, em 2017, a Hornsdale Power Reserve, com 150 MW de baterias cujos investimentos foram amortizados rapidamente, dada a importância estratégica da tecnologia. Na Alemanha, a transição energética está sendo acompanhada de um boom nos sistemas residenciais de armazenamento, com a criação de uma rede descentralizada e resiliente. Esses países, ao resolverem um problema técnico, criaram novos mercados, geraram empregos qualificados e aumentaram a segurança energética.

Todavia, para que o processo de inserção de BESS ocorra no Brasil, é essencial que inovações regulatórias sejam bem definidas, tendo em vista: (i) complexidade técnica da tecnologia e de sua difusão no sistema elétrico nacional; e (ii) a necessidade de investimentos com custo de capital muito elevado. Além disso, as possibilidades dos sistemas de armazenamento de baterias são de um camaleão tecnológico, uma vez que os BESS podem atuar como carga, gerador ou prestador de serviços de alto valor agregado.

Observa-se que as experiências internacionais indicam que o modelo de negócio mais utilizado se baseia no conceito de empilhamento de receitas (revenue stacking), segundo o qual os BESS são remunerados por todos os diferentes serviços que prestam. No Brasil, contudo, essa possibilidade ainda é remota, considerando as características operacionais de um sistema centralizado e de dimensão continental com mais de 180.000 km de extensão, além de um desenho de mercado elétrico distinto dos países onde o empilhamento de receitas se firmou. Assim, como referido anteriormente, inovações regulatórias se fazem necessárias para a difusão consistente e qualificada de BESS.

A título de conclusão, destaca-se que os desafios à frente são complexos, porém indicam urgência pelo volume crescente verificado e estimado de curtailments. O LRCAP de 2025 deve ser o ponto de partida para uma ação coordenada, necessária na perspectiva de estabelecer uma política de Estado para a inserção de sistemas de armazenamento de energia no Brasil.

Nivalde José de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (GESEL-UFRJ).

Fernando de Lima Caneppele é professor da FZEA/USP e pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Valor
https://valor.globo.com/opiniao/coluna/importancia-estrategica-para-armazenando-de-energia-eletrica-com-baterias.ghtml