ARMAZENE - Associação Brasileira de Armazenamento de Energia

Deu ruim para o consumidor de energia

Torres de transmissão de energia - Foto: Custódio Coimbra/Agência O Globo -

Potência instalada pode não ser suficiente para suprir a demanda nas horas mais críticas


Por Edvaldo Santana

O Operador Nacional do Sistema (ONS) - no plano energético (PEN) para o ciclo 2025-2029, publicado no dia 8 - mostrou um quadro gravíssimo para o setor elétrico brasileiro (SEB), em especial do ponto de vista da segurança energética. Numa oferta com participação relevante de hidrelétricas (UHEs), uma boa métrica é a capacidade de regularização, ou quantos meses a demanda pode ser atendida só por essas usinas. Por tal métrica, no máximo por 5,5 meses as UHEs darão conta do recado. E o ONS foi muito otimista, até irreal. Nos últimos 15 anos, a média dos reservatórios não chega a 70%, sugerindo uma regularização pouco superior a quatro meses em 2029.

Ainda há os efeitos das fotovoltaicas. Até o fim deste ano, essa fonte será a segunda da matriz elétrica. São mais de 60 GW. Ela chegará a 108 GW em 2029, quando ultrapassará as UHEs. Em 2025, a demanda instantânea é de 107 GW. Então, no período mais ensolarado, como entre 11 e 14h, mais de 50% da demanda poderá ser atendido apenas por fotovoltaicas. Mas entre 14h e 17h, quando a geração solar vai a zero, cerca de 60 GW devem ser substituídos por UHEs. É uma tarefa complexa, mas possível, pois a potência total das hídricas é 101 GW. Contudo, em 2029, as fotovoltaicas chegarão a 108 GW, para uma demanda de 125 GW. Quase 85% dessa demanda poderá ser fornecido pela fonte solar. Parece maravilhoso, mas não é.

É que parte das unidades geradoras das UHEs também fica de prontidão para preservar a confiabilidade. Além disso, 85% da demanda instantânea corresponde a 105 GW, maior do que podem produzir todas as UHEs. Desse modo, em 2029, seria impossível às UHEs sucederem à fotovoltaica no período em que o sol começa a desaparecer. Faltará potência.

E 2025 já é um ano complicado. Mesmo num cenário "normal", a bandeira vermelha vai até o fim do ano. De agosto a dezembro será necessário um adicional de 10 GW de térmicas (UTEs). Ainda pode ser exigido o uso da reserva em novembro, degradando a confiabilidade. O quadro se agravará em 2026, quando as UTEs seriam acionadas desde janeiro, e 5 GW da reserva seriam usados em cinco meses, com possibilidade de déficit em setembro. Haveria explosão na conta de luz.

Num cenário "inferior", com menos chuva até novembro deste ano e estiagem entre dezembro de 2025 e abril de 2026, o quadro seria catastrófico, com avanço na reserva durante os 12 meses do ano que vem e déficit de potência por seis meses.

Quando o ONS elabora seu plano, e olha o perfil da oferta até 2029, nota uma matriz elétrica cada vez mais inflexível, em que a potência instalada pode não ser suficiente para suprir a demanda nas horas mais críticas. Por isso a probabilidade de faltar potência (MW) em 2026 é 12%, quando o limite é 5%. E sse parâmetro passa para 43%, 73% e 92% em 2027, 2028 e 2029, respectivamente. São números jamais imaginados, nem nas piores crises. É quase a certeza de que haverá apagões.

O setor elétrico até chegará a 2029, porém "rebocado", com custos abusivos. Pense no que seria a bandeira vermelha acionada por 42 meses num universo de 60. O governo tinha prometido um leilão de reserva para junho, mas, pressionado por lobbies, o adiou indefinidamente. O sistema necessita de flexibilidade, garantida por UTEs a gás natural, mais UHEs com mais reservatórios e armazenamento em baterias.

Mas a desorganização impera no SEB. A oferta é ditada por subsídios, que fabricaram um duplo caos: de confiabilidade e de preços. E veja que resultado inquietante: como os potenciais competidores num leilão já sabem que só eles poderão amenizar os impactos da catástrofe, seus preços serão bem maiores, dado o poder de monopólio adquirido.

*Edvaldo Santana, doutor em engenharia de produção e professor titular aposentado da Universidade Federal de Santa Catarina, foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica

O Globo
https://oglobo.globo.com/opiniao/artigos/coluna/2025/07/deu-ruim-para-o-consumidor-de-energia.ghtml