ARMAZENE - Associação Brasileira de Armazenamento de Energia

Gás demanda R$ 140 bi em investimentos em dez anos e atrai capital privado

Vista aérea da termelétrica Jaguatirica 2, da Eneva, localizada na área rural de Boa Vista (RR); companhia respondem por um quarto da capacidade de geração das usinas a gás do país - 28.07.22 - Lalo de Almeida/Folhapress -

Petrobras ainda tem força na oferta do produto, mas outros segmentos já contam com participação de grupos privados, como Eneva e Energisa

Alexa Salomão
Nicola Pamplona

A disputa de pesos pesados do capital privado brasileiro no setor de gás mira um mercado que vai demandar ao menos R$ 140 bilhões em investimentos nos próximos dez anos apenas da boca do poço para a frente, sem contar com exploração e produção.

Cinco grandes grupos estão se posicionando no setor, não apenas no âmbito dos negócios, mas também nos bastidores da política, uma vez que a disputa envolve concessões públicas.

São eles Eneva, cujo principal acionista é o banco BTG, de André Esteves, Âmbar, braço de energia da J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista, grupo Cosan, de Rubens Ometto, com Compass e Commit, o grupo Energisa, da Família Botelho, e a Termogás, do empresário Carlos Suarez.

Juntas, essas empresas investiram cerca de R$ 35 bilhões nos últimos dez anos para buscar posições no setor.

Embora seja um combustível fóssil, o gás é visto como alternativa a produtos mais poluentes, como diesel no transporte público e de carga ou carvão na indústria. Também passou a ser considerado fundamental para dar segurança energética à medida que o país passa a depender das renováveis, cuja geração oscila muito. Em outras frentes, é importante para elevar a produção nacional de fertilizantes e é um substituto ao botijão de gás e ao chuveiro elétrico.



O gás natural tem uma cadeia longa e fragmentada. Na ponta inicial estão exploração e extração. Na sequência vem o processamento, para torná-lo apto à venda, ou a reigasificação, caso o produto chegue em navios na versão GNL (Gás Natural Liquefeito). Então, ele é transportado via gasodutos. Na ponta final fica a distribuição ao consumidor final -residências, empresas, postos de combustíveis e usinas térmicas para geração de energia elétrica.

Estão no radar projetos associados a biometano, que quimicamente é similar ao gás natural, mas produzido a partir de resíduos.



"O gás natural é conhecido como um combustível de transição", diz o CEO da Eneva, Lino Cançado. "O problema do mundo é reduzir emissões, e há alternativas que reduzem emissão e outras que eliminam. A substituição de diesel por gás, por exemplo, reduz bastante."

A empresa investiu R$ 14 bilhões nos últimos dez anos em exploração e produção de gás e na geração de energia térmica.

É quarta em produção de gás, atrás de Petrobras, Shell e Total, e segunda quando se considera apenas exploração em terra, onshore. Tem 25%, enquanto a Petrobras tem metade.

Dona de 11 usinas a gás, que somam 4.455 MW (mega-watt) de potência, tem o equivalente a praticamente 25% da capacidade do parque térmico a gás do país. Ainda aposta na venda do combustível para frotas de caminhões de transporte de grãos e para indústrias.

Em 2024, a empresa passou a ser controlada pelo BTG, do banqueiro André Esteves, em operação que envolveu a incorporação de usinas térmicas do banco. Esteves chegou a pensar em voo solo na área, mas entendeu que seria melhor investir numa empresa focada no setor.

Quem tem ambição de traçar caminho similar é a J&F, dos irmãos Joesley e Wesley Batista.

O grupo entrou no setor em 2015, quando comprou a usina de Cuiabá e criou a Âmbar Energia. Recentemente, acelerou as aquisições. Já possui 16 usinas a gás, cuja potência equivale a pouco mais de 20% do total de térmicas em operação. Nos últimos dez anos, investiu R$ 11 bilhões para ampliar a capacidade de geração própria, R$ 8 bilhões em gás natural.

Em 2023, deu um passo adicional e comprou uma pequena empresa para prospectar gás natural, a Fluxus, que já anunciou a compra de campos produtores na Argentina e na Bolívia, e declarou interesse em atuar na Venezuela. A ideia é entrar também no suprimento para abastecer suas próprias térmicas e eventuais clientes no país.

O investimento de Eneva e J&F para ter o próprio gás faz parte da estratégia de buscar autonomia. Um dos maiores defensores do uso do gás no país, Adriano Pires, diretor do CBIE (Centro Brasileiro de Infra Estrutura), lembra que o fim do monopólio da Petrobras no gás tem sido lento, especialmente nesse segmento.

"Os investimentos privados estão aí para mostrar que evoluímos, e a concorrência aumenta, mas a Petrobras ainda controla 80% da comercialização do gás, que é parte estratégica", afirma Pires.



O negócio com distribuidoras de gás tem outro perfil. A Petrobras ainda tem contratos de fornecimento, mas vendeu as suas participações, deixando o ambiente mais competitivo para o investidor privado.

O ano passado, por exemplo, marcou uma aposta maior da Energisa nesse mercado. Forte em distribuição de energia elétrica, o grupo entrou na distribuição de gás em 2023, ao adquirir a ES Gás. A empresa consolidou a presença em 2024 comprando 51% da Norgás, holding com participação em distribuidoras de gás em quatro estados do Nordeste.



"É um posicionamento muito claro da Energisa de colocar o pé nesse mercado, que ela entende como promissor, não só para o gás natural, mas também para o biometano", afirma Debora Oliver, diretora-presidente de Negócios de Gás da companhia.

Oliver explica que a estratégia é aproveitar o gás produzido localmente para oferecer o combustível a polos industriais no interior. Também almeja usar o gás como alternativa ao diesel em eixos logísticos do transporte de carga. Identifica ainda boas oportunidades no Programa ES Mais+Gás, lançado pelo Governo do Espírito Santo para fomentar a produção de biometano no estado.

Somando aquisições e expansões, o grupo já investiu R$ 2,4 bilhões em gás.

A empresa mais tradicional no setor é a Termogás, fundada em 1998 pelo empresário Carlos Suarez. Pode-se dizer que Suarez é um precursor entre os agentes privados deste mercado. Foi o primeiro a questionar o alto volume de reinjeção de gás no pré-sal, usado para elevar a produção de petróleo e que considera um desperdício da molécula, e também a falta de infraestrutura para transporte -um problema que afeta especialmente as áreas em que atua.

A rede de gasodutos do Brasil é minúscula. Equivale, por exemplo, a cerca de um terço da rede argentina.



Em associações com governos de estado, a Termogás tem participações em oito distribuidoras de gás no Norte, Nordeste e Centro Oeste, mas cinco são qualificadas pela empresa como pré-operacionais, por falta de acesso garantido ao insumo. A Termogás tem ainda autorização para a construção de 8.600 quilômetros de dutos.

O grupo Cosan, muito conhecido pela tradição em renováveis a base de cana, entrou no segmento de gás natural em 2012, ao adquirir a concessão da Comgás, que atende a região metropolitana de São Paulo. Em 2020, consolidou os negócios de gás na Compass, que agora tem novos braços.

A Committ domina o segmento de distribuição no Sul e em parte do Sudeste e a Edge amplia a aposta na comercialização de biometano e gás no mercado livre, seja o GNL importado pelo terminal próprio que instalou na Baixada Santista, seja fornecido por caminhões.

A companhia investiu mais de R$ 10 bilhões no setor desde 2020, com o objetivo de "formar um portfólio robusto de ativos e tornar a empresa um case de geração de valor com resultados consistentes", disse em nota. O grupo Cosan vive agora uma reestruturação, e ainda não se sabe como fica o gás na equação final.

Folha de S.Paulo
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/02/gas-demanda-r-140-bi-em-investimentos-em-dez-anos-e-atrai-capital-privado.shtml