'Rei do Gás' sofre revés, mas consegue emplacar benefício na MP do setor elétrico; entenda

MP do setor elétrico foi aprovada no Congresso nessa quinta-feira, 30, em votação relâmpago Foto: Wilton Junior/Estadão -
Texto que reformula setor redistribui conta e prevê construção de gasodutos com fundo social do pré-sal; procurado, empresário não retornou e relator disse que proposta veio do Executivo
Por Mariana Carneiro e Alvaro Gribel
BRASÍLIA - O senador Eduardo Braga (MDB-AM), relator da Medida Provisória 1304, que alterou regras no setor elétrico, incluiu em seu texto uma medida que beneficia o empresário Carlos Suarez, conhecido como o "Rei do Gás".
Embora tenha recuado - em acordo com o governo Lula - da contratação de termelétricas a gás em Estados onde não há o combustível, o que impulsionaria distribuidoras das quais Suarez é sócio, Braga criou uma fonte de financiamento para a construção de gasodutos que ajudará indiretamente essas empresas.
Ou seja, o empresário viu cair uma medida que o beneficiava, mas permaneceu na MP uma segunda que, na prática, pode viabilizar os seus negócios.
Procurado, o empresário não retornou às ligações. A assessoria de Braga informou que "a proposta de destinar recursos do fundo do petróleo para obras de infraestrutura é uma iniciativa do Poder Executivo, que foi acolhida pelo relator e obteve consenso entre os parlamentares por seu caráter estratégico".
A previsão de verbas do fundo do pré-sal para gasodutos não consta, porém, da versão original da MP enviada pelo governo.
"O objetivo é sanar um dos principais gargalos de infraestrutura do País, destravando investimentos e ampliando a capacidade energética nacional", acrescentou o relator. "O processo será conduzido integralmente pelo governo federal, por meio de leilões públicos, assegurando que a seleção seja técnica e competitiva."
No dia da votação, o senador defendeu a expansão dos gasodutos: "Recursos da PPSA, que estão empossados, criarão um 'funding' de financiamento de infraestrutura para escoamento de gás, inclusive, para a fabricação de fertilizantes. Não é só para energia. Nós importamos US$ 14 bilhões por ano de fertilizantes", disse.
Pelo texto aprovado pela Câmara e pelo Senado, verba do Fundo Social do pré-sal, irrigado por recursos derivados da exploração de petróleo, poderá financiar a construção de gasodutos. Isso pode viabilizar a infraestrutura para levar o gás da costa até Estados do interior, onde Suarez é sócio de distribuidoras de gás.
O Fundo Social tem recursos usados para educação e habitação, e também poderia ser utilizado para abater a dívida pública. Agora, irá financiar gasodutos.
"Este foi um caminho que o governo inventou para desembolsar recursos do Orçamento e financiar políticas públicas sem impactar o resultado primário. É dinheiro que poderia estar abatendo dívida pública, mas que o governo encontrou uma forma de gastar. Agora o Congresso aprendeu o truque e quer usar também", afirmou o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper.
Essa iniciativa já foi tentada no passado, como mostrou o Estadão, mas não saiu do papel. Desta vez, vai sobrar para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidir se veta ou se sanciona a medida.
O texto da MP aprovada no Congresso, em votação relâmpago, afirma que o superávit do fundo social poderá servir como fonte de recursos para bancos estatais usarem em linhas de crédito na infraestrutura de gás natural. As instituições financeiras deverão assumir ainda o risco de crédito dessas operações.
O Fundo Social do pré-sal surgiu em 2010 com o objetivo de criar uma poupança para as futuras gerações com a receita do petróleo. Mas, nos últimos tempos, ele passou a ser fonte de financiamento de políticas públicas do presente na criação de atalhos às limitações das regras fiscais.
Em julho, o Congresso aprovou uma medida provisória autorizando que os recursos do fundo do pré-sal financiem projetos de infraestrutura social e habitação popular, além de ações em calamidades públicas.
O dinheiro vem da participação da União no óleo e no gás extraídos sob o regime de exploração de partilha.
Entenda o caso
O projeto de privatização da Eletrobras, de 2021, incluiu uma emenda que obrigava o setor elétrico a contratar 8.000 MW de energia gerada a gás natural como "energia de reserva de capacidade", ou seja, de forma compulsória. A justificativa era que essa energia "firme" ajudaria a diminuir o risco provocado pelas oscilações das fontes renováveis, como eólica e solar, que não geram energia 24 horas por dia.O texto ia além e determinava a localização onde essas usinas térmicas a gás natural deveriam ser construídas, incluindo Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste. Coincidentemente, regiões nas quais o empresário Carlos Suarez detém participações em empresas distribuidoras de gás, mas onde não há oferta de gás disponível.
O problema para Suarez é que o mesmo projeto também determinou um "preço-teto" para a contratação dessa energia, que tinha como referência um leilão a gás realizado em 2019, corrigido apenas pela inflação. Isso inviabilizou o negócio, pelos custos que envolvem o transporte do gás da costa até essas localidades, o que poderia ser feito por meio de gasodutos, mas que ainda precisam ser construídos.
O primeiro relatório do senador Eduardo Braga voltava com obrigatoriedade de contração desse gás, mas desta vez sem preço-teto. No setor elétrico, essa medida foi vista como uma forma de viabilizar, enfim, as usinas térmicas.
Com um valor acima do praticado em regiões onde há gás disponível, a energia (mais cara) dessas usinas bancaria a construção dos gasodutos. Após pressão dos setores e do governo, Braga foi obrigado a recuar.
Em outra parte do texto, contudo, permaneceu a previsão de construção de gasodutos com os recursos do fundo do petróleo, o que viabiliza por si só a chegada do combustível aos Estados. Isso pode fazer com que essas termelétricas consigam oferecer energia a um preço de energia abaixo do teto, o que as tornaria viáveis.
Estadão
https://www.estadao.com.br/economia/rei-do-gas-sofre-reves-mas-consegue-emplacar-beneficio-na-mp-do-setor-eletrico-entenda/


